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Nova Friburgo: de cidade veranista a cidade industrial

No início do século 20, Nova Friburgo, município da região serrana fluminense tinha como atividade econômica a lavoura branca, a produção de legumes, frutas e flores de corte. Auxiliava igualmente sua economia o turismo da saúde, por ser considerada uma estância de cura da tuberculose bem como de veraneio, em razão da salubridade de seu clima. O município era administrado pela Câmara Municipal, não havendo ainda a figura do prefeito. Nesta época chega a pacata cidade serrana um homem que vai mudar o rumo de sua história, o imigrante alemão Peter Julius Ferdinand Arp. Nascido em 26 de março de 1858 na aldeia de Fahren, província de Holstein, na Alemanha, imigrou para o Brasil com 23 anos de idade em 14 de novembro de 1881(ou 09 de janeiro de 1882) empregando-se em Santos (SP), no comércio de café. Um ano depois mudou-se para o Rio de Janeiro onde trabalhou como funcionário da firma importadora Maximilian Nothmann & Cia.

O imigrante alemão Peter Julius Ferdinand Arp. Acervo família Arp
O imigrante alemão Peter Julius Ferdinand Arp. Acervo família Arp

Com o falecimento do proprietário adquiriu esta empresa e em janeiro 1895 substituiu a razão social para Arp & Cia., tendo como sócio o português José Ribeiro de Araújo, que deixaria anos depois a sociedade. Em 1900, Julius Arp se associa a Ottomar Max Kaiser, proprietário de uma pequena fábrica de meias fundando a Kaiser & Cia., em Joinville (SC). Posteriomente Kaiser saiu da sociedade e a firma foi encampada pela Arp & Cia., futuramente Malharia Arp S.A. Julius Arp deu início a instalação de uma indústria de fabricação de rendas em Joinville. O empresário chegou a importar o maquinário da Europa. Solicitou benefícios de exportação ao ministro da Fazenda Lauro Müller mas, não foi atendido. Na ocasião foi informado pelo amigo Maximilian Wilhelm Bogislav Falck, que costumava veranear em Nova Friburgo no sítio Ypu, que estava em final de construção uma usina de eletricidade do coronel Antônio Fernandes Costa, e que ele estaria disposto a transferir a concessão que obtivera da Câmara Municipal para fornecer “luz e força” a quem se interessasse.

Julius Arp verificou que a cidade serrana de veraneio reunia condições favoráveis à sua projetada indústria, caso adquirisse a concessão de eletricidade pela Câmara Municipal. Com o apoio de um segmento da elite política local, notadamente de Galdino do Valle Filho, bem como de um movimento popular, conseguiu a concessão para fornecer “luz e força” adquirindo a usina Hans. Em 1925 a Empresa de Eletricidade Julius Arp construiu a usina do Catete, mas não era ainda o suficiente e a cidade vivia às escuras. O município passou a comprar energia da usina de Conceição do Macabu. Criada em abril 1924, a Cia. de Eletricidade de Nova Friburgo adquiriu em 1935 o direito de exploração dos serviços de eletricidade do grupo Arp, que ficou com algumas ações desta empresa.

O empresário Julius Arp comprou de Braz de Nova Friburgo e de Manoel de Castro Nunes um terreno de aproximadamente 74.000 m² no centro da cidade, para a instalação de sua indústria. Em dezembro de 1910 o vapor Habsburg trazia as estruturas metálicas para a construção dos sheds onde se instalariam as primeiras máquinas. No decorrer dos meses de abril e maio de 1911 chegaram a Nova Friburgo o maquinário que importara e foi iniciada no mês seguinte a fabricação de rendas de bilro. O dia 11 de junho foi consagrado como a data de aniversário da Rendas Arp e o Dia da Indústria. De acordo com um editorial do jornal A Paz de 29 de janeiro de 1911 “Em breves dias pois, a nossa cidade experimentará pela primeira vez a sensação do estremecimento do seu solo pela força propulsora da indústria moderna”. Foram inicialmente montadas 65 máquinas para cuja produção e administração foram admitidos 36 funcionários. Durante o ano de 1913 chegaram mais 66 máquinas aumentando para 45 o número de funcionários; em 1914 ampliou o quadro de pessoal para 60 funcionários. Além da renda de bilro eram produzidos cadarços e atacadores (pontas dos cadarços) de sapatos, tranças para o debrum de sandálias e isca para isqueiro.

Boa parte do maquinário era de tecnologia suíça. Acervo família Arp.
Boa parte do maquinário era de tecnologia alemã. Acervo família Arp.

Arp estimulou Maximilian Falck a montar uma fábrica de artigos de passamanaria associando-se à ele, surgindo em 1912 a M. Falck e Cia. Anos depois incentivou Carl Ernst Otto Siems a fundar uma indústria de fabricação de tule ou filó, denominada de Fábrica Filó (1925) tornando-se igualmente sócio minoritário. Estava formada a trindade teutônica e o centro da cidade virou uma colmeia de trabalho. Tudo indica que foi a contratação de Richard Hugo Otto Ihns em 19 de julho de 1919, como diretor-técnico, que ocasionou um grande impulso à fábrica, cargo ocupado anteriormente por Ernest Kappel, Heinrich Hans Wilhelm Schmidt e Wolf Werner Wyszomirki. O encontro entre Julius Arp e Otto Ihns é decorrente de uma interessante passagem na história de Nova Friburgo. Na Primeira Guerra Mundial, 45 navios da Marinha Mercante alemã foram detidos nos portos brasileiros. O objetivo do governo era aprisionar e confinar os tripulantes alemães em diferentes regiões do país. Uma das cidades a que se destinou estes marinheiros foi Nova Friburgo, e para custodiá-los foi escolhido o Sanatório Naval, que acolheu cerca de 227 deles.

Richard Ihns colocou a Rendas Arp como uma das maiores indústrias têxteis do Brasil. Acervo R.Roth
Richard Ihns colocou a Rendas Arp como uma das maiores indústrias têxteis do Brasil. Acervo R.Roth

Aos prisioneiros alemães foi dada permissão pelo governo brasileiro de trabalharem. O empregador deveria manter periódico contato com uma Comissão Militar comunicando a permanência do “internado” a seu serviço. Alguns foram cooptados pelas indústrias locais e um deles foi Richard Hugo Otto Ihns, que se empregou na Rendas Arp. Terminada a guerra resolveu permanecer em Nova Friburgo trabalhando na indústria que o empregara. Na administração de Otto Ihns o desenvolvimento da fábrica acontecia a passos largos e novos rumos foram tomados. Em 1919 havia 130 funcionários e em 1923 aumentou para 454 o quadro de pessoal. Ampliou a seção de rendas, introduziu em 1920 a fabricação de bordados e em 1924 deu início a importante produção de fios de algodão. Este último se tornou o principal produto da empresa, com diversas seções como abridores, batedores, cardas (máquinas que individualizam as fibras), penteadeiras, passadores, maçaroqueiras, filatórias e retorcedoras.

Em 1924 Richard Ihns deu início a importante produção de fios de algodão. Acervo família Arp.
Em 1924 Richard Ihns deu início a importante produção de fios de algodão. Acervo família Arp.

No editorial do Jornal do Commercio de 15 de junho de 1961, por ocasião do cinquentenário da Rendas Arp foi escrito: “…Por maior que fossem os predicados do Conselheiro Julius Arp, a sua grandiosa obra talvez não fosse possível, não alcançasse o portentoso desenvolvimento atual se um fato fortuito não o aliasse a um colaborador de fibra Richard Hugo Otto Ihns, verdadeiro dínamo que desde 1919 fez funcionar toda a máquina administrativa impulsionando-a vigorosa […] até situá-la no presente estágio […] O olho arguto do Conselheiro Julius Arp descobriu-o e elegeu-o seu companheiro inseparável nas árduas lutas pelo progresso industrial de Friburgo…”

A indústria teve início em 1911 com a produção de rendas. Acervo família Arp.
A indústria teve início em 1911 com a produção de rendas. Acervo família Arp.

Otto Ihns administrou a Rendas Arp durante 41 anos, até seu falecimento em 17 de julho de 1960. A sua importância pode ser constatada quando a indústria celebrou seus 50 anos. Foi inaugurado um busto de bronze oferecido pelos funcionários da fábrica, fruto de subscrição, cuja lista ficou registrada no pedestal com a seguinte inscrição: “Richard Hugo Otto Ihns, os empregados da fábrica de Rendas Arp S.A. num testemunho de gratidão e respeito ao seu inesquecível e saudoso diretor-gerente galvanizam neste bronze a sua eterna lembrança. 1919-1960. Cinquentenário da fábrica de Rendas Arp S.A” No dia do seu funeral, os comerciantes em sinal de luto cerraram ao meio as portas de suas lojas. Um de seus filhos, o engenheiro Richard Ihns sucedeu-o na administração da fábrica.

Julius Arp mudou-se para o Rio de Janeiro residindo em um palacete na rua Voluntários da Pátria. Era um importante colecionador de borboletas, de obras de arte e documentos históricos. A sua coleção de aproximadamente 30.000 borboletas era formada por espécies brasileiras, da América Central e do Sul feita durante 50 anos por meio de caça, troca e aquisição de colecionadores nacionais e estrangeiros. Era cuidadosamente guardada em dois amplos salões de sua residência, dentro de 15 armários. Já idoso e cansado da manutenção de tão valioso acervo resolveu doá-lo. Em 1938 escreveu ao presidente Getúlio Vargas, para que sugerisse uma instituição que abrigasse sua coleção. O presidente indicou o Museu Nacional. Infelizmente esta coleção foi destruída no incêndio deste museu. Colecionador de objetos de artes, Julius Arp possuía um gato egípcio de mais de 2.500 anos; uma pintura de Rembrant, “Cristo curando os enfermos”; uma pintura de Franz Stuck, “Bailarinas”; inúmeras miniaturas em cristal, ouro e marfim, entre outras raridades. Colecionava também documentos históricos como as correspondências de Napoleão, Garibaldi, George Washington, Lord Nelson e Byron; possuía a coleção “Uma História do Mundo” em latim de Anton Korberger, impressa em 1492; um livro de Plutarco impresso na Basiléia em 1564, entre outras preciosidades.

Em dado momento as mulheres foram maioria na empresa. Acervo família Arp.
Em dado momento as mulheres foram maioria na empresa. Acervo família Arp.

O timoneiro da indústria têxtil em Nova Friburgo faleceu em 20 de setembro de 1945, aos 87 anos de idade. Arp casou-se em 1887 com a conterrânea Anna Christine Pohlmann, advindo desta união Frieda Arp, casada com Johannes Maria Francisco Xavier Drolshagen e Julius Anton Heinrich Achim Arp, conhecido como Julius Arp Jr., casado com Ruth Barbosa. Frieda e Drolshagen tiveram 5 filhos, Rodolpho, Paulo Eugênio, Marcus, Pascoal e Paulo Bernardo. Julius Arp Jr. e Ruth tiveram 2 filhos, Edgard Julius e Glória Maria. Edgard Julius Barbosa Arp casado com Ivonny Pockstaller teve 2 filhos, Anna Christina e Julius Edgard. Estando na presidência da empresa há muitos anos, seu genro Xavier Drolshagen foi o seu sucessor administrando-a de 1947 a 1955. Sucedeu-lhe Edgard Arp, diretor-presidente no período de 1955 a 1996. A quarta e última geração na gestão da empresa foi de Jerônimo Coimbra Bueno Filho, casado com a bisneta de Julius Arp, Anna Arp, no cargo de diretor-superintendente.

A Rendas Arp abastecia o mercado interno e exportava. Acervo família Arp.
A Rendas Arp abastecia o mercado interno e exportava. Acervo família Arp.

Na década de trinta encetou-se experiências no cultivo de algodão em Nova Friburgo, tanto pela Rendas Arp, no distrito do Amparo, como pela Filó em um terreno anexo à fábrica, no centro da cidade. O resultado da Filó ficou aquém do obtido pela Rendas Arp, pois Amparo tem o clima mais quente, propício ao cultivo do algodão. Tudo indica que a experiência foi feita por José Galeano das Neves, na fazenda Cachoeira do Amparo, substituindo velhos cafezais pelo algodão. A família teria mais um florão no seu escudo, pois além do café, no qual era grande produtor, acrescentaria o algodão, preciosa matéria-prima para as indústrias têxteis locais. Mas estas iniciativas não lograram êxito. A Rendas Arp possuía um sítio no distrito de Riograndina para plantação de eucaliptos, assim como a Filó no distrito de Conselheiro Paulino destinado ao mesmo fim. Usavam esta madeira como energia em suas caldeiras.

Chegada dos fardos de algodão na fábrica. Acervo família Arp.
Chegada dos fardos de algodão na fábrica. Acervo família Arp.

O número de empregados aumentava com o progresso da fábrica. Em 1927, a Rendas Arp empregava 506 funcionários. Nesta ocasião a legislação permitia a contratação de trabalhadores a partir de 10 anos de idade. Na Rendas Arp, Manoel de Oliveira e Sybilia Moreira foram admitidos com 10 anos; já Aristides Fonseca Coelho aos 11 anos. O periódico O Nova Friburgo, de 26 de junho de 1942 informava que naquele ano trabalhavam na Rendas Arp 435 homens, dos quais 133 eram menores e 844 moças, deste total 272 meninas. O número de mulheres era bem superior ao de homens, mas este quadro irá se alterar posteriormente. A melhoria de salário era de acordo com a importância da seção. Ary Ventura entrou na fábrica em 24 de junho de 1926, com 14 anos de idade e conseguiu progredir. Iniciou no setor de cartonagem passando pelas seções de tipografia, cordões, sianinha, isca e finalmente bordados, que melhor remunerava. O salário dos operários era pago por produção, diferentemente da administração que era fixo, sendo que menores e mulheres ganhavam bem menos em relação aos homens adultos, exercendo a mesma função.

De início os operários ganhavam por produção. Acervo família Arp.
De início os operários ganhavam por produção. Acervo família Arp.

Em 1932 a Rendas Arp aumentou seu quadro para 900 funcionários; em 1936 para 964 funcionários; em 1942 para 1.279 funcionários e em 1958 para 1.200 funcionários. Quando a fábrica completou 50 anos possuía 1.300 funcionários. Estes números foram fornecidos pela empresa aos jornais da época. Em 30 de julho de 1947 a Rendas Arp transformou-se em sociedade anônima. O seu parque industrial chegou a 30.000m² de construção. Otto Ihns introduzira entre os operários valores morais como pontualidade, disciplina, organização e o valor do tempo. No editorial do Jornal do Commercio de 15 de junho de 1961 vinha escrito que “…A Fábrica de Rendas Arp, a cujas atividades se deve o impulso progressista da cidade, tanto no que se refere ao desenvolvimento industrial, como também a parte educacional, pois a região assimilou de maneira marcante os costumes e hábitos europeus diferenciando-se assim das demais cidades fluminenses…” Até a década de 1980, a fábrica oferecia palestras de princípios de saúde, higiene, alimentação e como se comportarem socialmente.

A Rendas Arp tinha três turnos de trabalho. Acervo família Arp.
A Rendas Arp tinha três turnos de trabalho. Acervo família Arp.

O maquinário acompanhava a evolução da indústria têxtil, o que possibilitava a empresa apresentar ao mercado produtos competitivos de fino acabamento. Fornecia matéria-prima para as fábricas de tecelagem no país, para sua filial em Joinville para a fabricação de meias e camisas de meia, assim como para as indústrias locais. A fábrica produzia fios de vários tipos a exemplo de fios de algodão cardados, penteados, poliéster/algodão, acrílicos, mercerizados, alvejados, gazeados, etc.; rendas grossas e finas, brancas e em cores, do tipo almofada; tiras de bordados em tecido de algodão; laises; golas; stores; cortinas, colchas de filet, etc. Em um anúncio no Friburgo Jornal de 16 de maio de 1952 a Rendas Arp informava que produzia rendas, bordados, laises, cordões; fios de algodão penteados, retorcidos, “gazados”, em cruz ou beneficiados para tecelagens e malharias; filós, passamanarias e outras aplicações industriais.

O Sindicato dos Tecelões foi organizado em Nova Friburgo em 1931, com alguns membros do Partido Comunista. Uma greve iniciada na Rendas Arp em 1933, se disseminou entre as outras indústrias locais. Os operários reivindicavam melhores salários, pagamento de insalubridade no setor de tinturaria, salário idêntico aos que tivessem as mesmas funções, creche, etc. Nesta greve morreu o operário Licínio Teixeira, da Rendas Arp, em virtude da repressão policial. Parece ter surtido efeito esta greve. A Rendas Arp introduziu no ano seguinte alguns benefícios. A alimentação dos operários era levada para o trabalho em latas, sem muita higiene. A direção implantou um serviço de alimentação a preço simbólico para os 3 turnos. O Pavilhão das Refeições foi inaugurado em novembro de 1934 sendo a Rendas Arp pioneira no Brasil em oferecer este serviço. Por isto recebeu o diploma de Honra ao Mérito do Ministério do Trabalho por garantir a alimentação dos operários a preços módicos. Esta iniciativa foi seguida pelas outras indústrias da cidade. A obrigatoriedade de refeitório nas empresas com muitos funcionários ocorreria somente a partir do decreto-lei n° 1.238, de 02 de maio de 1939. Como ganhavam por produção, Otto Ihns inspirado no governo de Adolf Hitler instituiu na empresa o pagamento do salário no feriado do Dia do Trabalho.

Do outro lado do parque industrial, o Pavilhão das Refeições que seria demolido. Acervo família Arp.
Do outro lado do parque industrial, o Pavilhão das Refeições que seria demolido. Acervo família Arp.

A sociabilidade dos funcionários ocorria no “Recreio” dos Empregados da Fábrica de Rendas Arp fundado em 03 de maio de 1935, nome originário do Recreio Musical dos Operários da Fábrica de Rendas criado um ano antes. Neste espaço havia recreação e esporte onde pagavam como associados uma pequena quantia. Regularmente aos domingos ocorria matinée dançante, das 14h às 18h no salão do Pavilhão de Refeições. Para a boa harmonia do baile pedia-se que as damas não recusassem o convite dos cavalheiros para as danças. Em 07 de setembro de 1936 foi criada a caixa de beneficência com intuito de dar à família do operário auxílio pecuniário no caso de morte e empréstimo em caso de doença do associado ou da família. Oferecia igualmente creche junto ao vestiário feminino.

Recreio Musical dos Operários da Fábrica de Rendas. Acervo família Arp.
Recreio Musical dos Operários da Fábrica de Rendas. Acervo família Arp.

A Rendas Arp bem como as outras indústrias têxteis promoveram um surto de progresso na cidade movimentando o comércio e a construção civil. Ocorreu uma significativa imigração para Nova Friburgo de famílias vindas dos municípios vizinhos como São Sebastião do Alto, Cantagalo, Duas Barras etc. para trabalhar nas indústrias. O distrito agrícola de Amparo foi esvaziado pois os filhos dos agricultores queriam trabalhar nas fábricas. Já os lavradores do distrito agrícola de Riograndina e Conselheiro Paulino transformaram seus sítios em loteamentos, vendendo lotes aos operários para construção de casas. No bairro de Olaria os sítios igualmente foram loteados para edificação de residências. O comércio vibrava pois o pagamento das fábricas era certo e nunca atrasava.

Operários na recreativa da Rendas Arp. Acervo família Arp.
Operários na recreativa da Rendas Arp. Acervo família Arp.

Julius Arp foi homenageado pelo prefeito Carlos Balthazar da Silveira (1927-1929) com o nome de uma praça próxima a fábrica. O logradouro público de praça Paissandu passou a ser praça Conselheiro Julius Arp. Em 23 de março de 1930 foi realizada a solenidade de inauguração de uma placa na praça já pelo prefeito Arnaldo Pinheiro Bittencourt (1929-1930). No entanto, durante a Segunda Guerra Mundial um grupo de friburguenses indignados com notícias de supostos afundamentos de navios brasileiros por parte dos alemães, exigiram a retirada da homenagem e mudaram o nome da praça para Marques de Baependi. Anos depois passou a ser Marcílio Dias. O chalé onde Julius Arp residiu passou a ser usado para serviços de assistência médico-dentária gratuito aos funcionários e seus familiares, laboratório de análises clínicas, sala para pequenas cirurgias, tratamento fisioterápico e medicina preventiva. No aniversário de 75 anos da Rendas Arp, o chalé se transformou em museu, com o acervo das primeiras máquinas.

Seção onde se utiliza o trabalho majoritariamente masculino. Acervo família Arp.
Seção onde se utiliza o trabalho majoritariamente masculino. Acervo família Arp.

Próximo à fábrica foi construída na chácara do Conselheiro, na Olaria do Cônego, a Vila Operária. Eram 80 casas de um ou dois quartos, com sala, cozinha, banheiro e todas com quintal. A fachada era aparentemente de uma só residência, mas na realidade eram duas habitações com paredes geminadas. Logo ali habitavam 160 famílias. Algumas eram ocupadas por operários cuja atividade recomendava residirem o mais próximo possível da fábrica, como o pessoal da manutenção de seções importantes, operários mais qualificados, brigada contra incêndio etc. Junto a Vila Operária passou a funcionar as novas instalações do Recreio Rendas Arp. Além da sede social possuía quadras de basquete, volibol, raquetinha, futebol de salão, pistas de malha e de corrida, área para atletismo, campo de futebol e banho turco. Em março de 1962 foi criada a Escola Fábrica da Rendas Arp. Funcionava dentro da Vila Operária e oferecia gratuitamente formação para os filhos dos funcionários, de 1° a 4° série, em dois turnos (manhã e noite). Ali estudavam em média 450 crianças. A Rendas Arp mantinha também em Riograndina a Escola Anna Arp.

Vila Operária da Rendas Arp. Acervo Wander Fernandes
Vila Operária da Rendas Arp. Acervo Wander Fernandes

Na década de 1960, o município possuía um parque industrial empregando aproximadamente 7.000 operários. A Rendas Arp possuía 1.300 deste total. Além das indústrias têxteis como a Rendas Arp, Ypu, Filó, Sinimbu e Hak havia as metalúrgicas Haga, Torrington do Brasil, Iwega, Eletromecânica, Indaço, ILG Metalúrgica e a de plásticos Mitroplast. A Olimpíada dos Industriários de Nova Friburgo instituída em 1972 movimentava a cidade. Durava mais de um mês e as competições iam desde o atletismo até o jogo de xadrez, com a participação de operários de ambos os sexos de todas as indústrias.

As olimpíadas dos industriários movimentava a cidade. Acervo internet
As olimpíadas dos industriários movimentava a cidade. Acervo internet

A direção da fábrica compreendendo as necessidades urbanísticas devido ao crescente tráfego entre o centro e os bairros de Olaria e Cônego atendeu ao pedido do prefeito Heródoto Bento de Mello de ceder uma área no lado oposto ao parque industrial, em condições especiais de preço e pagamento. A avenida ampliada permitiria melhor fluxo de veículos. Para que isso fosse possível, além da desapropriação de uma área de aproximadamente 2.500m² foram demolidas 5 residências e o refeitório da fábrica. A demolição teve início em 13 de junho de 1965. A nova avenida passou a se chamar Conselheiro Julius Arp. A intenção era iniciar logo a construção de um novo edifício social, porém investimentos no setor de produção adiaram este projeto, funcionando o restaurante em instalações provisórias.

Demolição do Pavilhão das Refeições para alargar a rua. Acervo família Arp.
Demolição do Pavilhão das Refeições para alargar a rua. Acervo família Arp.

Em 11 de junho de 1980 foi inaugurado o Edifício Social Conselheiro Julius Arp. No primeiro pavimento ficava o vestiário feminino com armários individuais, lavabos, sanitários, duchas de água quente e fria. No segundo pavimento o setor masculino com as mesmas instalações do feminino, além de uma área de lazer. Já no terceiro pavimento uma cozinha industrial, dois salões de refeições, um para os operários onde a alimentação era servida em bandejas, os conhecidos bandejões, e o outro para as chefias. O cardápio era o mesmo para todos. A diferença era de que a refeição das chefias era servida por garçons em pratos, porém pagavam mais por este serviço. Como dito antes, cobrava-se um preço simbólico dos operários. O restaurante poderia atender de uma só vez 620 pessoas. A Rendas Arp operava em três turnos de trabalho. A cozinha atendia a três horários de almoço, dois no jantar, dois na ceia noturna e dois no lanche matinal, este último servido aos funcionários que iniciavam e aos que concluíam o turno de trabalho pela manhã. Portanto, mantinha-se em atividade durante 24 horas.

No refeitório se removiam facilmente as mesas e se transformava em um salão para os bailes e as festas. O novo edifício social permite identificar a proporção da mão-de-obra feminina em relação a masculina na década de oitenta. Foram feitos 878 escaninhos para os homens e 702 para as mulheres. Foi construído um túnel de acesso entre o edifício social e o parque industrial para evitar acidentes na circulação dos funcionários, já que a nova avenida passou a ter intenso movimento de veículos. No Jornal do Brasil de 11 de julho de 1985, Caderno Negócios e Finanças, uma matéria informa que a Rendas Arp exportava para o Canadá, Mercado Comum Europeu, Oriente Próximo e Espanha. A exportação mensal era de aproximadamente 100 toneladas, ou seja, em torno de 25% da produção, calculada em 480 toneladas de fios por mês. Estudos de mercado sugeriram a extinção gradativa da produção de rendas, operação concluída em 1971. Foi mantida a produção de fios de algodão, fibras sintéticas, bem como a seção de bordado inglês com desenhos elaborados no seu departamento de criação. Em 1980 contava com 1.300 funcionários; em 1981 com 1.384 e em 1986 com 1.250 funcionários.  No auge de sua produção funcionava até os domingos, com regime de revezamento.

Máquinas que utilizavam o pantógrafo. Acervo família Arp.
Máquinas que utilizavam o pantógrafo. Acervo família Arp.

Buscando a modernização em razão da concorrência adquiriram novas máquinas de bordar Saurer fabricadas na Suíça, com tecnologia mais avançada de comando eletrônico. Em 2001, quando a indústria fez 90 anos estava na quarta geração da família Arp. O economista Jerônimo Coimbra Bueno Filho, como dito antes casado com a bisneta de Julius Arp, promoveu uma reestruturação na empresa. A modernização das máquinas demandava cada vez menos mão-de-obra, mesmo com o aumento da produção. Em 2002 havia 900 funcionários que se revezavam em três turnos. Em 2006 possuía 650 funcionários. A Rendas Arp era referência no mercado de fios, bordados e laise, com desenhos próprios atendendo aos segmentos de moda, cama, mesa e banho. Desenvolvia bordados exclusivos para o seguimento de lingerie vendendo para a Valisère, De Millus e Du Loren. Firmou parceria com estilistas famosos para fazer uso dos bordados Arp em suas coleções como Walther Rodrigues e Kátia Willy da Zigfreda. Fornecia para as principais grifes de moda como Animalle, Isabela Capeto, Spirit, entre outras. Exportava para os USA, Alemanha, Suíça, Bélgica, Holanda, França, Áustria, Canadá e iniciava na América do Sul.

Maquina de bordado da Rendas Arp. Acervo familia Arp
Máquina de bordado da Rendas Arp. Acervo família Arp.

A empresa investia em pesquisa e a produção de fios poliéster/algodão e poliéster/viscose vinham sendo testadas. A fabricação de fio algodão/acrílico foi ampliada. Um dos produtos mais importantes da divisão de fios foi reativada, como o fio de algodão 100% penteado onde poucas empresas atuavam no setor. Os fios panda foi um dos lançamentos, utilizados em trabalhos manuais em tricô e crochê. A empresa procurava inovar e foi aberta a loja da fábrica investindo na venda de varejo. Não obstante todos os esforços, a concorrência com os produtos chineses inviabilizava a Rendas Arp. Para agravar a situação ocorreu um flagelo climático em janeiro de 2011 em Nova Friburgo, o mais sinistro de sua história, com enchentes e desmoronamentos de morros. A enchente danificou o maquinário da fábrica e ocasionou a perda de toda a matéria-prima. A Rendas Arp completara em 11 de junho daquele fatídico ano o seu centenário. Estas circunstâncias levaram os proprietários da empresa a encerrarem em agosto das atividades da indústria. Na ocasião contava com aproximadamente 200 funcionários. As instalações da antiga fábrica e toda sua área são atualmente um empreendimento multiuso, o Espaço Arp, com inúmeras lojas comerciais, restaurantes, educandários e prestadores de serviço.

Documentários – Rendas Arp


As fontes deste artigo são baseadas em jornais locais e de circulação nacional e no livro “Uma história em Quatro Tempos”, de Carlos Fischer.

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