A batalha das flores e histórias do Carnaval de Nova Friburgo

Um dos mais antigos folguedos trazidos pelos portugueses ao Brasil é o entrudo. Estava nascendo o carnaval no período colonial. Era um entretenimento que ocorria antes da quaresma em que os foliões jogavam água, farinha ou polvilho uns contra os outros. A intenção era encharcar as pessoas com água ou pó. Lançavam entre si bolas de cera bem finas contendo água-de-cheiro e por isto eram conhecidas como limões-de-cheiro. Estes artefatos eram lançados a grande distância e por isto, no momento do impacto ficavam em pedaços molhando o alvo. Alguns foliões faziam uso de enormes seringas de lata, que décadas depois se tornariam bisnagas de plástico. Como algumas pessoas passaram a lançar entre si lama, água suja, frutas pobres e até colocar urina nas bolas cera, o entrudo passou a ser proibido pelas posturas de diversos municípios.

No final do século 19, as famílias ricas de Nova Friburgo, assim como os veranistas, costumavam organizar um desfile de carruagens floridas. Na realidade, era organizado pelos veranistas, uma imitação do carnaval de Nice, na França. Este evento conhecido como a batalha das flores ocorria na segunda-feira de carnaval e causava imensa expectativa na população. Desfilavam pelas ruas do centro da cidade carruagens enfeitadas de flores naturais e artificiais com rosas, orquídeas, camélias e crisântemos, de cores variadas. As flores formavam alegorias como um cisne, estilo japonês, uma borboleta, conchas de rosas, um barco ou mesmo um caramanchão de flores e folhagens.

A concentração ocorria no largo do Paissandu ou em frente à igreja Matriz. As carruagens começavam a chegar às 15h e uma hora depois girândolas de foguetes anunciavam o início do desfile. A ornamentação das carruagens formava um luxuoso e florido cortejo que desfilava imponente pelas ruas. As bandas de música Euterpe e Campesina acompanhavam os grupos tocando um animado repertório. Neste evento havia o concurso da carruagem que se destacava na ornamentação. Ao final do desfile, ao toque do clarim, iniciava uma batalha. Os carnavalescos em acalorado combate atiravam flores de suas carruagens entre si, ao som das furiosas bandas musicais. Não se poupava nem as baronesas e as senhoritas neste combate.
No passado, manter-se no anonimato durante todo o carnaval era o entusiasmo da festa. Os foliões usavam tecidos que cobriam o corpo e faziam uso de voz em falsete para não serem reconhecidos. Sob máscaras e disfarces, nos três dias de folia, perguntavam aos curiosos: “Você me conhece”? Os mascarados percorriam as ruas propalando ditos espirituosos e chistes engraçados, com críticas ao governo. Em Nova Friburgo faziam versos com pilhéria sobre a falta de lampiões, aumento do imposto da décima urbana, nosso IPTU de hoje, entre outras reclamações. Alguns mascarados distribuíam folhetins destes versos divertidos para a população. As pessoas tentavam a todo custo descobrir quem estava por detrás das máscaras, mas o anonimato fazia parte do gracejo.

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Os bailes de máscara onde frequentavam os veranistas e a alta sociedade friburguense ocorriam nos salões dos hotéis Central, Salusse, Leuenroth e Engert. Eram denominadas de soirées. Os salões eram ornamentados com flores naturais e artificiais, folhagens, serpentinas, bandeirolas, lanternas e máscaras para dar uma atmosfera commedia dell’arte. Os veranistas que tinham residência na cidade costumavam na segunda-feira oferecer soirées privadas de carnaval. No final do século 19, nos bailes carnavalescos em Nova Friburgo dançava-se quadrilha, valsa, tango, mazurca, polca e schottisch. As sociedades musicais Euterpe e Campesina eram responsáveis pela animação. Era obrigatório nos bailes o uso de máscaras pelos foliões até a meia-noite, quando então poderiam retirá-las e se servirem de champanhe e doces em uma mesa ricamente ornamentada.

Os primeiros grupos carnavalescos de rua foram os cordões e os ranchos. Recebia o nome de cordões, pois os foliões ficavam cercados por uma corda para evitar que o público se misturasse à eles. Posteriormente foram denominados de bloco. Já os ranchos foram substituídos pelas escolas de samba. Na realidade, a escola de samba manteve a sua estrutura, com a diferença que o rancho tem um ritmo musical mais lento. Na década de 1940 foram surgindo as escolas de samba em Nova Friburgo. Os passistas desfilavam pelas ruas cantando variadas músicas de carnaval. O compositor surgiu somente em 1955 e a partir de então cada escola de samba tem o seu próprio samba-enredo.


Até a década de 1960 era costume em Nova Friburgo fazer o enterro do carnaval na Quarta-Feira de Cinzas. Um esquife era conduzido pelas ruas sobre um carrinho de mão acompanhado pela multidão. Algumas pessoas portavam tochas acesas e o cortejo seguia em zombaria ao lado do caixão. Tudo indica que esta prática do enterro do carnaval foi extinta porque o pároco local a proibiu, achando a zombaria desrespeitosa. Com o decorrer dos anos, os bailes dos hotéis se transferiram para os clubes sociais e por décadas foram a grande atração do carnaval friburguense. Atualmente não são mais promovidos pelos tradicionais clubes sociais. O anonimato e a crítica espirituosa dos costumes e da política igualmente desapareceram. A animação fica por conta das bandas, blocos e das escolas de samba.
