O Colégio Anchieta e a cidade de Nova Friburgo

Durante décadas, os padres Jesuítas contribuíram imensamente com a economia de Nova Friburgo, região serrana fluminense. Estabelecidos neste município desde 1886, instalaram um internato para meninos denominado de Colégio Anchieta, que demandava serviços de hotelaria e aquisição de variados tipos de sortimentos. Inicialmente tiveram despesas na reforma da vetusta casa de vivenda onde se estabeleceram, na outrora fazenda do Morro Queimado, abandonada há mais de 5 anos. Considerando obras de benfeitorias necessárias e úteis no velho “château”, como era conhecido, a administração do educandário adquiriu no comércio local caibro, cal, areia, pedra, telha, gesso, madeira, tábua, ripa, prego, cano de barro e de ferro, folha de pinho, ponta de paris, linhaça, barrica de cimento, sueca, dobradiça, caixa de vidro para as janelas, latrina, enxada etc. Em 1891 compraram 7.000 tijolos e no mês seguinte mais 10.000 deste item. Fizeram uso de “jornais” de carreiros, pedreiros, carpinteiros e pintores. Na construção do novo edifício do internado, obra que transcorreu entre 1902 e 1906, a colina onde estava instalado o Anchieta era uma “fábrica” de trabalho com aproximadamente 150 operários, dando um sopro de vida nas múltiplas atividades laborais da cidade serrana.

No discurso de Hilário Nabuco de Abreu, “O bem-feitor de Nova Friburgo”, publicado no Aurora Colegial de 17 de outubro de 1909, o orador destaca o “renascimento econômico” trazido pelo Colégio Anchieta a Friburgo:
“…Ao redor deste centro vital de gravitação gira todo o movimento econômico da pequena cidade que prospera graças a generosa e equitativa remuneração que ele [reitor Luiz Yabar] dispensa ao labor honesto de todas as classes sociais, como sejam a dos operários e artistas, a dos capitalistas e negociantes. […] A cidade de Nova Friburgo agita-se numa animação febril fazendo contraste com as suas vizinhas em cuja calmaria tumular se afere o desânimo que a paralisa, a pobreza que entristece. Aqui tudo é alegre. A fisionomia dos moradores é risonha porque há trabalho, há movimento, há vida. E toda essa animação a quem se deve, ao Colégio Anchieta…”
O cronista Arthur Guimarães no livro “Um Inquérito Social em Nova Friburgo”, publicado em 1916 escreveu: “O Colégio Anchieta, Casa de Deus, onde comércio e indústria não penetram, é claro, quantos benefícios morais e materiais tem proporcionado ao lugar! A vida ali criada, intensa, repercute cá fora, espraia-se, dilata-se e, quer pela caridade, quer pelos empregos dados, o colégio tornou-se o maior propulsor dos progressos locais.” Os gêneros consumidos no internato impressionam pela variedade de itens, boa parte adquiridos no comércio local. Em uma rápida leitura do Livro Razão n°1(1885-1891), localizamos despesas nas categorias de mantimentos, móveis, estipêndio, ordenado, rouparia, obra, esmola, biblioteca, enfermaria, ministério sacro, divertimento, despesas diversas, entre outros. Foram adquiridos trens de cozinha, tacho de cobre, torrador de café, peneira para farinha, talha, toalha, prato, talher, bule, jarro, copo, caneca, xícara de porcelana, bandeja, castiçal, urinol, bacia, cabide, cama de ferro, colchão, cadeira, cobertor de lã, lençol, travesseiro, tapete, cortina, espanador, chita, merinó, brim, cornija de flanela, alfinete, pau de giz (para alfaiate), vara para moldura, chapéu de palha, sapato duraque, cadarço, meia de algodão e lã, gravata, retrós, botão, escova, pente de chifre, chinela “charlot” e de pano, botina branca e preta, graxa para sapato, livro, atlas, carta geográfica, caderno, papel almaço pautado, folha de papel imperial, papel de seda branca, folha de papel dourado (para o teatro), papel borrão, tinteiro, caixa de pena, lápis, pasta, cola, caixa de giz, barbante, pincel, estampilha, envelope, cartão de notas, recibo impresso, brochura, papel de embrulho, rosário, vinho para missa, hóstia, vela, medalha, santos, crucifixo, fita de seda, charuto, tabaco(para horta), cânfora, rapé, sabão, palito, canivete, navalha, chumbo, tábua, ferramentas, regador, fechadura, cadeado, serrote, lixa, plaina, argola, lampião, querosene, lamparina, chaminé, peteca, apito, papel de seda para balão, foguete, rojão, pipa, corda para ginástica, ferradura, correia para freio de cavalo, drogas e remédios etc.

Destes itens, muitos foram adquiridos no comércio de secos e molhados local. Na firma do italiano Francisco Antônio Guariglia & Cia adquiriram pão, manteiga, massa, batata, café, chá, açúcar, carne verde (fresca), presunto, galinha, vinho do Porto, conhaque, licor, pinga, vinagre, rolha, saca-rolha, botão, retrós de linha, agulha, alfinete, fivela, ceroula, camisa, cadarço, merinó, guarda-chuva, bacia, barbante, vela, lampião, lamparina, aguarrás, fumo (para a horta), rolha, estampilho, ponta de paris, cola, papeis de sementes, ferramenta, fechadura, dobradiça, ferro, pólvora, querosene, vela, maço de fósforo, chumbo, cal, tinta, foguete etc.

De Giovanni Giffoni & Cia adquiriram licor e chocolate e de Luiz Raspatini & Cia pílulas antinevrálgicas, pastilhas vermífugas, Shayurardina para calos, pastilha de hortelã pimenta, ácido tartárico, flor de sabugueira, tintura de sódio, óleo de amêndoa doce canforado, pastilha laxativa, óleo de rícino, elixir paregórico, vinagre aromático, ácido acético e outros itens. No estabelecimento do português Antônio Lopes Sertã & Cia comparam sal, café, aguardente, queijo, castanha, maço de palito, prato, tigela, talha, camisa, fio de algodão, botão, cadarço, carretel de linha, alfinete, cadarço, tesoura e tesourinha, escova, resma de papel, rapé, papeis de sementes, barbante, corda, lampião, vidro para lampião, alcatrão, cal, aguarás, ripa, tacha, tinta, fechadura, telha de barro e de vidro, torneira, madeira, prego etc.

Como as famílias Sertã e Guariglia tinham filhos no internato faziam permuta com o fornecimento de sortimentos e a prestação do serviço de educação. Há outros registros de permuta como três sacos de café por conta do aluno 63 e do senhor Marques Braga fornecendo 25 carros de lenha pela semestralidade de seu filho. Aos domingos saíam em média 80 internos a passeio com seus pais, a maioria vindo de outras cidades e estados. Movimentavam os hotéis e o comércio em geral. No diário do Colégio Anchieta foi registrado que na abertura do ano letivo de 1908 chegou uma turma de mais de 100 estudantes do Rio de Janeiro e 30 deles foram almoçar nos hotéis.

Os Jesuítas impulsionaram não somente a economia local, mas igualmente o progresso religioso estando a cidade provida copiosamente de serviços espirituais. Além das missas e confissões diárias na capela do colégio, atendiam a paróquia local. Realizavam ofícios e catecismo nas capelas de Santo Antônio, de N. S do Rosário e do Imaculado Coração de Maria, São Pedro e São Paulo. Na capela do Colégio N.S. das Dores se encarregavam das missas, confissões e retiros das freiras e alunas. Criaram centros catequéticos nas fábricas Rendas Arp, Filó e Ypu. Em 1934, o Pe. Rossetti fundou a obra de Assistência Social à Moça Operária de Nova Friburgo. Eram frequentemente solicitados para administrar os sacramentos da extrema-unção aos enfermos. Os padres do Anchieta substituíam frequentemente o pároco da igreja Matriz, Monsenhor José Silvestre Alves de Miranda. Na comemoração dos 50 anos do seu sacerdócio, Monsenhor Miranda escreveu:
“Sofrendo os dissabores da vida de isolamento, com a tentação insistente de abandonar esta freguesia, mas sempre batendo na porta do coração compassivo de Jesus para dar paciência, conformidade e conforto ao meu coração desanimado, quando menos esperava, amados paroquianos, nosso Senhor derramou sobre este rústico semeador desta porção de sua vinha universal a graça da mais doce consolação, qual foi a vinda dos beneméritos padres Jesuítas em 1886 […] Desde este tempo até a presente, quanto eles tem trabalhado para o progresso e desenvolvimento da religião nesta dileta Paróquia! Sempre amigos do humilde vigário e prontos para auxiliá-lo no árduo ministério da salvação das almas, estes enviados de Deus são merecedores da maior gratidão.”
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A edificação da capela do Sagrado Coração de Maria e Apóstolos São Pedro e São Paulo, no arrabalde das Duas Pedras é obra do Jesuíta Vicente Prosperi, professor do colégio. A inauguração ocorreu no dia 7 de junho de 1914 sendo os painéis da capela, assim como as imagens do altar, trabalhos artísticos do colossal talento do padre Prosperi. Na capela realizava missas aos domingos e dias santos, socorria os pobres e os enfermos do arrabalde e ensinava o catecismo.


Em 22 de fevereiro de 1908, na igreja Matriz, Monsenhor Miranda benzeu o sino grande vindo de Genova, Itália, por encomenda do padre reitor do Anchieta Luiz Yabar. As Mães Cristãs ficavam sob sua orientação dando assistência material e espiritual aos pobres e enfermos. A Associação Católica da Juventude Friburguense foi fundada em 18 de dezembro de 1927 no colégio Anchieta. Conforme Monsenhor Miranda:
“…não pode negar o católico povo friburguense, o muito, o muitíssimo, que deve aos caridosos e infatigáveis filhos do glorioso Santo Inácio de Loyola […] o quanto hão trabalhado pelo progresso e desenvolvimento da religião, em sua amada Paróquia, esses venerandos padres Jesuítas, sempre providenciais em qualquer lugar que cheguem, quer para evangelizar, quer para instruir e educar.” E ainda: “…continuamos a afirmar os inestimáveis serviços religiosos prestados pelos reverendíssimos padres Jesuítas a todo o católico povo friburguense e os benefícios de caridade, com que o seu colégio socorre a pobreza, que aqui não é pequena.”

A inauguração em 16 de outubro de 1904 do monumento a Nossa Senhora da Imaculada Conceição, padroeira do colégio, não foi um evento restrito ao educandário, mas envolveu toda cidade. Após a inauguração, no final da tarde, uma pomposa procissão percorreu as ruas principais tendo à frente autoridades eclesiásticas como o Núncio Apostólico, Arcebispos e Bispos, a Irmandade do Santíssimo Sacramento, a Devoção das Dores, O Apostolado da Oração, a Conferência Vicentina de São João Batista, os Congregados de Maria, alunos e ex-alunos do Anchieta e de outros educandários, autoridades civis, levando cada associação e colégios seus respectivos estandartes. As sociedades musicais Euterpe e Campesina e o povo fecharam o préstito. Na procissão, entre os andores vinha a escultura de Maria Imaculada conduzida por vinte homens, obra de arte do padre Prosperi.


Em 13 de novembro daquele mesmo ano, na festa do Patrocínio de Nossa Senhora, às 7h:30 saiu da igreja Matriz em direção ao Colégio Anchieta mais 1.500 romeiros acompanhados pela Irmandade do Santíssimo Sacramento e outras associações religiosas. No trajeto de ida e volta recitou-se o Rosário, entoaram cânticos sacros e uma ladainha. No pátio interno do Anchieta, em frente ao monumento a Nossa Senhora, Monsenhor Miranda celebrou missa. Ao final os romeiros rezaram três Ave-Marias a Virgem pedindo proteção ao Colégio Anchieta e aos Jesuítas. A sociedade musical Euterpe acompanhou o préstito tocando marchas. Podemos citar inúmeras outras contribuições dos Jesuítas a Nova Friburgo como a vinda do Colégio N.S. das Dores e o tapete de areias coloridas feito no pátio do educandário, na ocasião de Corpus Christi, que posteriormente se estendeu a paróquia. Os Jesuítas introduziram ainda o futebol na serra fluminense. Praticado pelos internos, as normas desta nova modalidade esportiva vieram do Colégio Jesuíta de São Luiz, em Itu, onde era praticado desde 1880. Os ex-alunos do Anchieta levaram o futebol à cidade fundando os primeiros clubes e promovendo campeonatos.

O Anchieta recebia amiúde autoridades eclesiásticas da alta cúpula da Igreja como o Núncio apostólico, Arcebispos e Bispos de diversas Dioceses que prestigiavam as solenidades no colégio. Monsenhor Miranda ficava enlevado com a presença de tantos “Príncipes da Igreja” em sua paróquia, conforme registrou, notadamente porque na ocasião celebravam missa na Matriz. O Anchieta promoveu uma Conferência Episcopal para alegria do Monsenhor. Em relação aos serviços espirituais prestados pelos Jesuítas escreveu Monsenhor Miranda, “Nada de todo este precioso bem existiria se para esta dileta Paróquia não enviasse a Divina Providência os caridosos e prestimosos filhos de Santo Inácio de Loyola. Esta é a verdade. Todos os dias, pois, elevemos a Deus preces humildes e ardentes para que conserve, por anos numerosos, nesta nossa querida Nova Friburgo, os Jesuítas, apóstolos do bem e da caridade.”
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