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SOS Clube Xadrez: Friburguenses se mobilizam para manter patrimônio histórico

Há algumas semanas surgiu a campanha SOS Clube Xadrez coletando assinaturas para evitar a demolição de parte deste clube social. Além de sua beleza em estilo mourisco, trata-se de um dos mais importantes lugares de memória. A campanha objetiva conscientizar a população e autoridades da necessidade de preservação de todo o complexo do Clube de Xadrez, por representar um valioso patrimônio cultural e social de Nova Friburgo. Segundo os organizadores, o clube possui não apenas valor histórico e arquitetônico inestimável, mas também porque fez parte da vida social de inúmeras gerações, sendo um símbolo da identidade de Nova Friburgo e de memórias coletivas.

Vista aerea dos fundos do Clube de Xadrez. Acervo internet
Vista aérea dos fundos do Clube de Xadrez. Acervo internet

Desde o final do século 19, o espaço de sociabilidade das “soirées” dançantes na cidade eram os hotéis Central, Leuenroth, Salusse e Engert. Posteriormente foram substituídos pelos clubes sociais como o Clube de Xadrez, Clube dos 50, Sociedade Esportiva Friburguense e o Country Club. O Clube de Xadrez foi fundado em 26 de julho de 1927 por João Orlando, para a prática do jogo de xadrez. Orlando reuniu inúmeros enxadristas e o clube começa a funcionar no Hotel Salusse. Em seguida se transferiu para o segundo pavimento de um sobrado na praça Getúlio Vargas, atual imobiliária Predial Primus. Como o salão era muito amplo, além do jogo de xadrez, os enxadristas promoviam animados bailes na sede. Um saxofonista da sacada do sobrado tocava animadamente anunciando o início das danças.

A belissima pergola do Clube de Xadrez. Acervo pessoal
A belíssima pérgola do Clube de Xadrez. Acervo Janaína Botelho

Os amantes do jogo de xadrez decidem construir uma sede própria e adquirem um extenso terreno, próximo à praça do Suspiro, para a instalação do clube social. No projeto optaram por uma arquitetura muita em moda à época, o estilo mourisco.  O prefeito na ocasião era Dante Laginestra, interventor municipal e próximo de Getúlio Vargas, notadamente do casal Amaral Peixoto, filha e genro do presidente da República. Em razão de sua boas relações conseguiu uma verba de 100.000 cruzeiros do governador interventor Amaral Peixoto para o clube. Sylvio Braune, de uma das famílias mais tradicionais da cidade administrava a construção da sede.

Janelas em arco ogival com molduras ornamentadas e colunas dividindo os vaos. Acervo Igor Quintella
Janelas em arco ogival, com molduras ornamentadas e colunas dividindo os vãos. Acervo Igor Quintella

Inaugurado em 1945, o clube possui salões para o jogo de xadrez, de bridge, para os bailes e um palco para representações teatrais. Na área externa duas quadras de tênis, uma piscina olímpica, um campo de basquete e de vôlei. O imóvel é todo ricamente decorado com azulejos, mosaicos, estuques e vitrais no estilo mourisco. O presidente da Confederação Brasileira de Xadrez, Luiz Vianna, veio a Nova Friburgo empossar a primeira diretoria afiliada àquele órgão. Com o tempo, novas benfeitorias foram sendo acrescentadas ao prédio.

Dante Laginestra e Sylvio Braune na inauguracao em 28.01.1945. Acervo familia Laginestra
Dante Laginestra e Sylvio Braune na inauguração em 28.01.1945. Acervo família Laginestra
Piscina olimpica do Clube de Xadrez. Acervo pessoal
Piscina olímpica do Clube de Xadrez. Acervo pessoal

A avenida onde foi construído o clube social se situava em uma das áreas mais valorizadas da cidade, próximo a inúmeros palacetes, como o de Galdino do Vale Filho. No entanto, o clube não deve ser valorizado tão somente pela sua estrutura física, mas igualmente pela memória coletiva e vamos recorrer a ela. O então prefeito e posteriormente deputado Dante Laginestra era frequentador assíduo do Clube de Xadrez. Ali jogava carta com amigos e correligionários políticos. Padecia de diabetes e sabia que o alto nível de glicose no sangue poderia acarretar a perda de visão. Costumava cochilar durante o jogo de carta, sintoma de sua doença, mas que irritava os parceiros. Certa feita os amigos combinaram, assim que ele cochilasse, apagariam todas as luzes do salão. E assim o fizeram. Quando Dante despertou de seu cochilo e se viu na escuridão, desesperado, começou a gritar “Fiquei cego, fiquei cego.” Este acontecimento é contado com hilaridade até hoje na cidade.

Dante Laginestra em evento social no Clube de Xadrez. Acervo familia Laginestra
Dante Laginestra em evento social no Clube de Xadrez. Acervo família Laginestra
A beleza arquitetonica em estilo mourisco do Clube de Xadrez. Acervo Igor Quintella
A beleza arquitetônica em estilo mourisco do Clube de Xadrez. Acervo Igor Quintella

Fui pesquisar nos artigos da acadêmica Leyla Lopes, publicados no jornal eletrônico Nova Friburgo em Foco, alguns acontecimentos envolvendo o clube. Renato Mendes Machado foi diretor do Clube de Xadrez, eleito em 1963 e reeleito em 1965, numa época em que o clube estava no apogeu. Tudo indica ter criado a revista “O Xadrezista”. Renato Machado foi assassinado por um policial militar que se recusou a pagar o ingresso de um jogo de futebol, realizado para arrecadar fundos para a Santa Casa de Misericórdia. Renato servia como porteiro no campo do Friburgo e não permitiu a entrada do policial a paisana sem o pagamento, pois se tratava de um jogo beneficente para o hospital.

Trelicas em todas as janelas tipicas da arte islamica. Acervo Igor Quintella
Treliças em todas as janelas, típicas da arte islâmica. Acervo Igor Quintella

Foi atingido por dois disparos de arma de fogo e faleceu aos 29 anos. Em sinal de luto, toda a extensão da fachada do Clube de Xadrez foi coberta por uma imensa faixa preta, que ali ficou durante algum tempo. Leyla Lopes também relata as matines de carnaval no Clube de Xadrez onde eram realizados concursos de fantasias à beira da piscina. No carnaval de 1948, Leyla participou e se classificou em 2º lugar com a fantasia “Dama Antiga”. O menino Marcos Valle, que se tornaria o famoso compositor da bossa nova foi classificado em 1° lugar com a fantasia “Escocês”.

Leyla Lopes e o compositor Marcos Valle no carnaval no Clube de Xadrez. Acervo Leyla Lopes
Leyla Lopes e o compositor Marcos Valle no carnaval no Clube de Xadrez. Acervo Leyla Lopes

Segundo Leyla quando terminava o baile infantil do Clube de Xadrez, o “Bloco do Boi” que vinha da Vila Amélia passava diante do clube assustando as crianças com as suas evoluções. Os bailes na Sociedade Esportiva Friburguense e no Clube de Xadrez eram o “must” na década de 60. Ainda segundo Leyla “O Xadrez era considerado o melhor baile carnavalesco do interior do Estado do Rio, tendo a preferência dos turistas de Niterói e do Rio de Janeiro. Era realmente sensacional”.

O Xadrez era o melhor baile carnavalesco do interior fluminense. Acervo Fundacao D. Joao VI
O Xadrez era o melhor baile carnavalesco do interior fluminense. Acervo Fundação D. João VI
Piscina com blocos de partida sugerindo competicoes de natacao. Acervo Igor Quintella
Piscina com blocos de partida sugerindo competições de natação. Acervo Igor Quintella

Nota emitida pela Secretaria de Comunicação da PMNF

“Inicialmente, cabe esclarecer que antes da aprovação, o processo com projeto de obras apresentado pela iniciativa privada passou por diversos setores e órgãos da Prefeitura, incluindo a Fundação Dom João VI, que é a autoridade municipal de proteção e preservação do patrimônio histórico. Ela se pronunciou acerca do tombamento, manifestando-se favoravelmente ao prosseguimento das análises e aprovação do projeto privado apresentado ao Município.

O projeto de construção do Clube de Xadrez foi constituído inicialmente de duas edificações: a primeira, o prédio do Xadrezinho, que é de 1941, que tem elementos puros do neocolonial brasileiro; e o segundo prédio, já da década de 1950, com arquitetura menos rebuscada em seu exterior e interior, sem os mesmos elementos arquitetônicos que estão presentes na primeira edificação. Com o tombamento definitivo apenas da edificação conhecida como Xadrezinho em 2024, o projeto imobiliário apresentado pela iniciativa privada foi analisado pela Fundação D. João VI, levando em consideração tais alterações e posteriormente autorizado pelos demais órgãos competentes. Já a Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Urbano Sustentável informa que seguiu rigorosamente os pareceres da Fundação Dom João VI para aprovação do projeto.

O empreendimento da iniciativa privada foi aprovado para o terreno desmembrado do então Clube Xadrez e as análises se iniciaram em 2021 através do processo administrativo n° 22144/21 e se findaram através do processo administrativo n° 10359/24, apresentado em substituição. Para a área desmembrada (área privada) foi autorizada a demolição da edificação existente, nos limites estabelecidos pela Fundação Dom João VI, ou seja, com a preservação da fachada. Por fim, cabe esclarecer que o terreno é particular e não pertence ao Município. Cabe frisar que a perspectiva da área tombada na Praça Do Suspiro, no caso (Capela de Santo Antônio), não é afetada pela região do objeto em análise.”

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