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Paulo Lemgruber e a genética do gado Zebu

No princípio do século 19, a Confederação Helvética, atualmente Suíça, firma em 16 de maio de 1818, um acordo com o Rei D. João VI, para receber imigrantes suíços. Entre novembro de 1819 e março de 1820, estes suíços chegam à fazenda do Morro Queimado, no município de Cantagalo, onde seria instalada uma colônia agrícola para estabelecê-los. Uma parte do território de Cantagalo é desmembrada em 03 de janeiro de 1820, para formar o município de Nova Friburgo, que abrigaria os colonos. De um modo geral, as glebas de terras que constituíam o Núcleo Colonial não atenderam às expectativas dos suíços que preferiram abandoná-las e se aventurarem em busca de terras úberes baratas ou devolutas em Cantagalo para cultivarem o café, que sinalizava como uma cultura promissora. Entre estes colonos estava a família Lemgruber cujo patriarca era Ignaz Leimgruber(48 anos) casado com Luzia Hartmann(38 anos). O casal chegou ao Brasil em 07 de dezembro de 1819, acompanhado dos filhos Anton Ignaz, com 14 anos; Fridolin, com 12 anos; Johann Batista, com 10 anos; Marcus, com 6 anos; Maria Carolina, com 5 anos e Fidel, com 6  meses.

Suíços chegam à fazenda do Morro Queimado, em Cantagalo. Acervo LUAU TV
Suíços chegam à fazenda do Morro Queimado, em Cantagalo. Acervo LUAU TV

Pouco mais de uma década desde a sua chegada, no ano de 1834, Ignaz Lemgruber outorga procuração ao seu filho Anton Ignaz para representá-lo na aquisição de uma área junto às nascentes dos Córregos dos Índios, denominada Vargem Grande, em São Sebastião do Alto. Estas terras tinham a denominação de fazendas Santo Antônio e São Feliciano onde passaram a se dedicar ao cultivo do café. Anton Ignaz registrou outras glebas no Registro Paroquial de Terras onde hoje é município de Sapucaia, e na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Paquequer, atualmente Sumidouro. Em relação aos filhos do patriarca há o registro de que Marcus Lemgruber prosperou com a fazenda São Feliciano; Fidel Lemgruber adquiriu a fazenda São Pedro do Monte Alegre, na Freguesia do Carmo; Fridolin Lemgruber tinha uma posse na Freguesia de Santa Rita do Rio Negro e Johann Batista Lemgruber possuía terras em São Sebastião do Alto.

O que mais se destacou na cafeicultura e enriqueceu foi o primogênito Anton Ignaz Lemgruber. De acordo com o Almanaque Laemmert de 1848, ele se encontra entre os principais fazendeiros de café da Freguesia de Aparecida, atual Sapucaia. Tudo leva a crer que teve ainda uma sociedade nas fazendas Nossa Senhora da Glória e Abricó. Possuía um total de 218 escravos e emprestava dinheiro a juros. A Freguesia de Nossa Senhora do Monte do Carmo, região que hoje é o município do Carmo teve significativa presença dos Lemgruber. Possivelmente o crescimento do patrimônio dos Lemgruber foi em razão de alianças matrimoniais entre famílias imigrantes suíças e igualmente de casamentos entre primos. Os Lemgruber se casaram com os Luterbach, Ubelhard, Monnerat, Wermellinger, Herdy, Boechat e Daflon. Anton Ignaz Lemgruber casou-se com Mariana Ubelhard, sua prima, filha de Vicente Ubelhard, igualmente imigrante suíço. Anton Ignaz e Mariana tiveram dois filhos: Antônio Ubelhard Lemgruber, que faleceu antes do pai e Manoel Ubelhard Lemgruber. Com o falecimento de Anton Ignaz, em 1885, aos 80 anos de idade, seu filho Manoel Ubelhard Lemgruber herdou expressivo patrimônio. Só escravos eram mais de trezentos. Manoel Lemgruber, como de costume se casou com a prima Leopoldina da Glória Ubelhard Rodrigues e desta união tiveram sete filhos.

Manoel Lemgruber, conhecido como Manduca era um homem culto, poliglota, formado em engenharia e mecânica tendo feito seus estudos superiores na Inglaterra e na Alemanha. Além de cafeicultor era proprietário de uma indústria de fundição no Rio de Janeiro fabricando variados tipos de peças de metal como rodas d’água, arquibancadas, cremalheiras para a ferrovia, grades, etc. Um dos seus produtos mais comercializados era a roda d’água, de grande utilidade nas fazendas para o beneficiamento do café. Em meados do século 19, alguns fazendeiros fluminenses, além do cultivo do café começaram a direcionar sua atividade econômica para a criação de gado, mas urgia que melhorassem a sua genética. Em 1853, o marques de Paraná, o barão de Nova Friburgo, o marques de Baependi, o barão da Taquara, o barão de Sapucaia, entre outros, importaram da Índia lotes de touro da raça zebu. Os brasileiros estavam habituados a um gado de origem europeia mestiça, sem grande produtividade. O gado do Brasil estava degenerado pelo linfatismo da consanguinidade secular e somente poderia ser regenerado pela seleção de vacas e consequente cruzamento com touros de outras raças.

Manoel Lemgruber com um touro da raça zebu. Acervo Paulo Lembruber
Manoel Lemgruber com um touro da raça zebu. Acervo Paulo Lembruber

Na história do Brasil, o gado bovino era utilizado quase exclusivamente para movimentar os engenhos de cana-de-açúcar, na condução da lenha para os fornos e no transporte do açúcar e da cachaça para os locais de embarque. Igualmente juntas de bois eram utilizadas para tracionar instrumentos agrícolas, puxar arados e grades no preparo da terra, no transporte de toras de madeira, de pessoas e de mercadorias. De um modo geral, no contexto econômico, a pecuária foi inexpressiva no país até o final do século 19.  A comercialização do gado era somente destinada à produção de couro, que o Brasil exportava, e raramente para a venda da carne.

Raça caracu existente no Brasil desde o período colonial. Acervo pessoal
Raça caracu existente no Brasil desde o período colonial. Acervo pessoal

No ano de 1878, Manoel Lemgruber foi participar de uma feira de produtos metalúrgicos em Hamburgo, na Alemanha e aproveitou para adquirir touros zebus expostos em um zoológico. Foi na fazenda Santo Antônio de Sapucaia, onde nasceu, que desenvolveu a criação dessa raça. Dedicou especial atenção à preservação de sua pureza, iniciando uma progênie que seria conhecida como Nelore Lemgruber. Na Índia, o touro zebu destina-se a puxar peso sendo utilizado para trabalhar em atividade que exija força. Um par de touros puxa em torno de uma tonelada e meia. A raça zebu é extremamente dócil. Em razão de sua rusticidade adaptara-se às condições climáticas do Brasil e igualmente aos pastos. Dois anos após a primeira importação, Manoel Lemgruber continuou a importar novos lotes até constituir um rebanho da raça.

Fazenda Santo Antônio de Sapucaia onde se desenvolveu a criação do zebu. Acervo pessoal
Fazenda Santo Antônio de Sapucaia onde se desenvolveu a criação do zebu. Acervo pessoal

Iniciou-se uma campanha contra os criadores do zebu por parte dos pecuaristas paulistas que faziam a defesa da raça caracu, de origem portuguesa, existente no Brasil desde o período colonial. Mas a raça zebu se impôs e passou a ser utilizada como aprimoramento genético dos rebanhos nacionais. A família passou a usar a marca Nelore Lemgruber, região na Índia de onde importaram o gado zebu. Durante gerações, a família Lemgruber manteve a linhagem fechada do seu gado evitando o cruzamento com o gado europeu. Graças a introdução da raça zebu, o Estado do Rio de Janeiro se consolida na atividade econômica da pecuária. Em 04 de maio de 1921, foi inaugurado em um parque de exposições a primeira Exposição Regional de Gado e Produtos Derivados, em Cordeiro, na ocasião ainda distrito de Cantagalo, ficando conhecido como a capital da pecuária fluminense.

O gado zebu é extremamente dócil e se adaptou ao clima do Brasil. Acervo pessoal
O gado zebu é extremamente dócil e se adaptou ao clima do Brasil. Acervo pessoal

Manoel Ubelhard Lemgruber faleceu em 20 de julho de 1921. Seu filho Octacílio Lemgruber o sucedeu e atualmente o seu neto, Paulo Lemgruber, nascido em 16 de agosto de 1933, dá continuidade ao trabalho de seus ancestrais na fazenda São José, no Carmo. Mantém os reprodutores respeitando a tradição de manter a linhagem fechada, não utilizando sangue externo. Os touros reprodutores da linhagem Lemgruber ganham peso rapidamente, possuem carcaça volumosa, são musculosos, com muita carne entre as pernas, pele firme e mansidão. A precocidade sexual constitui outra vantagem pois os animais são aproveitados mais cedo no processo reprodutivo. As vacas da raça zebu são de extraordinária habilidade maternal dando, por conseguinte, boa produção de leite para suas crias.

O boi branco é um excelente produtor de leite. Acervo pessoal
O boi branco é um excelente produtor de leite. Acervo pessoal

A fazenda São José se dedica exclusivamente à produção de matrizes nos mesmos padrões dos primeiros animais trazidos da Índia, no final o século 19. Atualmente quase não existem no país postos de monta para cruzamento dos animais. O sêmen do touro é coletado em postos especializados. Paulo Lemgruber envia o reprodutor para uma central em São Paulo que fica o tempo suficiente para a coleta do sêmen necessário. No entanto, também faz uma coleta particular na fazenda São José e mantém em nitrogênio um banco de sêmen. Grande parte dos pecuaristas do país adquirem sêmen das matrizes Nelore Lemgruber pela notória pureza na linhagem de seu sangue. Graças à introdução pelos fazendeiros fluminenses e expansão do zebu no território nacional, o Brasil se consolidou entre os maiores exportadores de carne bovina do mundo. O “boi branco” tem mostrado força na pecuária nacional. Paulo Lemgruber preserva a linhagem em respeito aos elos que o unem aos seus ancestrais que deixaram como legado um valioso patrimônio genético.

Paulo Lemgruber ao lado dos troféus que recebeu em exposições pelo Brasil. Acervo pessoal
Paulo Lemgruber ao lado dos troféus que recebeu em exposições pelo Brasil. Acervo pessoal

Fontes: Entrevista com Paulo Lemgruber; livro “Nelore Lemgruber. A saga de uma família”;  Jornal do Brasil, 13 de junho de 1912, coluna “Indústria Pastoril”.

Janaína Botelho – Serra News

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