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John Henry Freese: um professor inglês em Nova Friburgo

Umas das mais interessantes passagens na história de Nova Friburgo diz respeito ao negociante inglês John Henry Freese, nascido em 1784, em Londres. Frequentou as melhores escolas da Inglaterra e completou os seus estudos na Prússia em um colégio que tinha convênio com a Universidade de Königsberg. Freese chegou com a família no Rio de Janeiro em 15 de novembro de 1826 e tinha na ocasião 42 anos de idade. No Rio de Janeiro morou inicialmente na Rua da Alfândega onde deu continuidade à sua atividade como negociante estabelecendo relações comerciais entre o Rio de Janeiro e Londres e se dedicando também ao ramo da construção civil.

O Jornal do Commercio de 1835 mostra John Henry Freese, através de sua empresa executando as obras de abertura de um canal e de uma estrada entre Campos e Macaé. O presidente da província do Rio de Janeiro sancionou um decreto da Assembleia Provincial concedendo a Freese o direito exclusivo de formar uma companhia para empreender obras como estradas que comunicasse os municípios de Nova Friburgo e de Cantagalo com o de Macaé, uma ponte sobre o Rio Paraíba e um canal que comunicasse a vila de São Salvador de Campos a Macaé, “…pelas vantagens que oferecem aos fazendeiros por onde tiver de passar as ditas estradas ou canal, por isso que lhe resulta grande benefício e aumenta valor às suas propriedades…”.

Curiosamente, depois de quase duas décadas de atividade empresarial no Brasil, John Henry Freese resolve deixar os seus negócios e se dedicar ao magistério ensinando o que praticava. Tudo indica que Freese percebeu no Brasil uma deficiência absoluta na prática comercial e este pode ter sido o motivo que o levou a abrir um estabelecimento de ensino. Havendo como negociante experimentado o inconveniente do pouco conhecimento que tinham os jovens que trabalhavam nas casas de comércio, encarregou-se da educação da mocidade no intuito de remediar a falta de instrução. De fato, muitos alunos que saíram de seu estabelecimento de ensino acharam colocação em casas comerciais inglesas que atuavam na praça do Rio de Janeiro e em outras províncias como Edward Jonston e Cia., Warre Schwind e Cia., Warren Raynsford e Cia., Samuel Southam e Cia., Dalghish Thompson e Cia., Maxwell Wright e Cia., Andrew Edwards e Cia. e Thomaz Missler e Cia. para ficar em apenas alguns exemplos. Estudaram em seu instituto e trabalharam na casa comercial da própria família o escritor Casimiro José Machado de Abreu e os filhos do primeiro barão de Nova Friburgo.

John Freese poderia ter instalado o seu instituto de educação no Rio de Janeiro, mas não o fez. Escolheu Nova Friburgo, município na região serrana fluminense criado em 03 de janeiro de 1820 para instalar uma colônia de suíços. Há uma referência no jornal de que Freese iniciara o seu instituto na Corte no Colégio das Laranjeiras, mas não há mais referência sobre este instituto. Naquela época os proprietários de colégios que se ocupavam da educação dos filhos das elites procuravam se instalar em sítios aprazíveis no Rio de Janeiro, em lugares “saudáveis”. Assim como o eminente professor Calógeras    abriria um colégio em Petrópolis, Freese instalou o seu instituto na vila de Nova Friburgo. Ambos os municípios eram considerados à época como “lugares sadios”. Escreveu um articulista na Revista da Semana de 15 de novembro de 1841, “Escusa dizer o que para saúde de alunos ofereciam as duas localidades fluminenses serranamente belas e de ares salutíferos cujo crédito ainda se conserva”. A salubridade do clima de Nova Friburgo era notória e os tuberculosos recorriam ao seu clima de altitude para se salvaram da sepultura.

John Henry Freese,1784-1866. Acervo internet
John Henry Freese,1784-1866. Acervo internet

Em um anúncio no Jornal do Commercio, Freese destacava que era de se esperar que os alunos que entrassem no instituto pálidos e débeis, em pouco tempo ficariam com faces rosadas e corpos robustos. Esta era uma das formas de propaganda empregadas pelo professor para convencer os pais a matricularem os filhos no seu instituto, na cidade serrana. Dirigindo-se aos pais que enviavam os filhos para estudarem no exterior na aurora de seus dias, o anúncio destacava que fora do Brasil os estudantes ficavam longe do seio da família, davam grandes despesas e o sistema de educação do Instituto Freese se assemelhava as melhores academias da Europa. Destacou que Nova Friburgo possuía o clima reconhecidamente o mais saudável da província do Rio de Janeiro e que não ficava muito distante da Corte, a um dia de viagem.

Para os que achassem Nova Friburgo distante, o anúncio dispunha que os meios de trânsito e de comunicação forneciam todas as comodidades e que os caminhos eram muito transitáveis, exceto no período chuvoso no qual se deveria evitar. Destacava que o diretor do instituto acompanharia os alunos no deslocamento e que os pais não precisariam levar os filhos até a vila de Nova Friburgo. Guilherme Tross, morador de Nova Friburgo fez um anúncio no Jornal do Commercio colocando os seus serviços à disposição dos pais que desejassem partir da Corte até Nova Friburgo para visitarem seus filhos no instituto. Ele se obrigava a preparar e aprontar todos os animais necessários. Havia um endereço na Corte para contato onde poderiam conhecer as condições e deixarem suas ordens.

Ocorreu o caso de um escravo que ao conduzir um estudante a Nova Friburgo aproveitou a oportunidade e fugiu: “Fugiu um mulato de nome José no dia 5 de fevereiro indo levar um senhor moço ao Colégio Freese em Nova Friburgo; os sinais são os seguintes: pardo claro, altura e corpo regulares, princípio de barba, tem em um dos braços uma cruz feita de tinta, cabelos bastante crespos, é natural do Pará (…) quem o apreender e metê-lo na cadeia terá 50$ e anuncie no jornal para o senhor saber, e se o levarem a fazenda do senhor terão 100$ de gratificação; e protesta-se contra quem o acoutar. Antônio Ferreira do Amaral.(Jornal do Commercio, edição 00140, 1862)

Vila de Nova Friburgo em 1835. Johann Jacob Steinmann. Acervo BN
Vila de Nova Friburgo em 1835. Johann Jacob Steinmann. Acervo BN

Transcorrida mais de uma década de instalação, Freese destacava nos anúncios que em abono do sistema higiênico e “alimentário” seguido no instituto e em razão da salubridade do clima de Nova Friburgo não tinha havido nenhum caso de morte, apesar de ter ocorrido  por diversas vezes flagelos como bexigas, sarampos, febres escarlatinas, tosse convulsiva e outras moléstias menos perigosas. Em um anúncio destacando a salubridade do clima de Nova Friburgo jactou-se de não ter havido no colégio, nos 25 anos de sua existência, nenhum caso de morte tendo sido a sua frequência média de 100 alunos.  Em 1842 um anúncio no Jornal do Commercio solicitava que “Se alguma senhora que desejasse mudar-se para um clima salubre e quisesse encarregar-se da lavagem do Instituto de Nova Friburgo ou alugar escravos para o fazer” procurasse no endereço dado para contato. Outro anúncio no Jornal do Commercio cooptando professor de música destacava a salubridade da vila serrana. “Precisa-se no instituto situado no muito salubre clima de Nova Friburgo de um mestre de música, ou como residente contínuo, por parte do ano, podendo assim convir à algum senhor professor que deseje retirar-se da Corte durante os meses de calor.” (Jornal do Commercio, 1842, edição 00244)A canícula estava associada a epidemia de febre amarela.

Para instalar o instituto, Freese adquiriu a chácara do tenente Manoel José de Oliveira e realizou paulatinamente benfeitorias adaptando o imóvel a um internato. Na sessão de 13 de novembro de 1854 da Câmara Municipal fez um requerimento solicitando licença para edificar prédios no seu terreno na rua do Colégio. O Instituto Colegial de Nova Friburgo foi inaugurado em 24 de março de 1841, bem no centro da vila onde hoje está localizado o Colégio Nossa Senhora das Dores. Em 01 de julho do mesmo ano, Freese viajou com a primeira turma do Rio de Janeiro a Nova Friburgo, pois era uma prática acompanhar os alunos nas viagens. Anunciou no Jornal do Commercio aos alunos que o acompanhariam rumo a Nova Friburgo que precisariam estar em determinado dia e horário a bordo da barca a vapor que partiria da estação da Prainha para Sampaio. Deveriam enviar os seus baús antecipadamente em um endereço especificado. Chegando à vila de Nova Friburgo publicou no Jornal do Commercio uma nota participando aos pais que os estudantes chegaram com saúde, alegres, muito bem-comportados e que escreveriam no primeiro correio que partisse para o Rio de Janeiro.

Logomarca do Instituto Colegial de Nova Friburgo. Acervo Walther S. das Neves
Logomarca do Instituto Colegial de Nova Friburgo. Acervo Walther S. das Neves

Este tipo de nota no jornal seria frequente em toda chegada dos estudantes na vila serrana. A propósito, toda a comunicação com os pais era feita através do Jornal do Commercio como as datas dos exames, convite para assistir as avaliações, boletins escolares, contratação ou saía de algum professor, solicitação para que os pais se manifestassem se alunos passariam as férias em casa ou no instituto, o dia e hora do embarque na Prainha ou a data da chegada no Rio de  Janeiro dos que partiam em férias. Neste último caso solicitava aos pais que enviassem ao porto alguma pessoa para pegar os alunos.

O Instituto de Nova Friburgo tinha por finalidade preparar os alunos para seguir a carreira mercantil ou no comércio, admissão nas academias de direito e de medicina, escolas central, militar e de Marinha. Formava igualmente os alunos para o desempenho de empregos públicos e profissões liberais. Trabalhar nas casas comerciais era um bom emprego e exigia boa formação como contabilidade mercantil, sacar letras, fazer cálculos de câmbio, lavrar faturas, contas de venda e avarias, cartas de afretamento e ter conhecimento de determinados idiomas. A idade mínima para admissão no colégio não fica claro utilizando apenas como fonte o Jornal do Commercio.

As classes ministradas no instituto variavam e nos parece ser muito em função de haver um lente (professor) para ensinar a disciplina, como por exemplo a disciplina de grego nem sempre era oferecida. As classes ministradas eram primeiras letras, português, latim, grego, inglês, francês, alemão, matemáticas(incluso um curso de engenharia civil), aritmética, comércio, contabilidade mercantil, filosofia, lógica, história geral e natural, química, física, geografia(incluso os elementos de navegação), retórica, astronomia, caligrafia, desenho, música, dança e instrução religiosa e moral. Na educação física se objetivava dar ao aluno uma constituição forte e corpo robusto desenvolvendo as suas forças físicas por meio de asseio, abluções cotidianas e banhos frios. Faziam-se exercícios ginásticos, jogos atléticos e militares, corridas, cricket, jogo de bola, de corda e praticavam esgrima e jogo de espada.

Representação do professor Freese. Acervo internet.
Representação do professor Freese. Acervo internet.

Havia uma classe interessante denominada de “Despertadora”. O objetivo desta classe era desenvolver as faculdades intelectuais e ao mesmo tempo comunicar conhecimentos úteis. Era na realidade uma classe de conversação e não se estudava para ela. O professor Freese propunha questões de improviso para serem debatidas como história natural, física, química, desenho linear, a natureza e combinação de cores, as diferentes espécies de fábricas, a aplicação da força a vapor, etc.

O estatuto do instituto era publicado no jornal sendo dadas informações sobre a forma de avaliação, castigo e alimentação. Na rotina do colégio a sineta tocava às 5:30h no verão e às 6:00 h no inverno para os alunos se levantarem. Tinham meia hora para se vestirem e aprontarem-se para a revista que avaliava se estavam compostos em seu trajar, cabelos penteados e unhas limpas. Os professores se revezavam em turnos para vigiar os dormitórios que ficavam iluminados durante toda a noite. A inspeção dos alunos nos dormitórios, nos estudos, no recreio e no refeitório competia ao professor do turno. Os estudantes eram divididos em seções tendo 8 a 10 alunos em cada uma sendo capitaneadas por aqueles que mais se distinguiam por boa conduta e ordem.

Quando entravam ou saíam do dormitório, do refeitório ou do salão de estudo deveriam estar perfilados por seções, sempre em silencio e ordem. Passada a revista vinham as orações e cantos conduzidos pelo capelão do colégio. Finda a revista, lidas as orações e cantado o hino se dirigiam na mesma ordem para o recreio. Poderiam ir para o banho no lago, para os exercícios ginásticos ou se divertirem conforme determinado pelo professor do turno. A fim de evitar acidentes que poderiam ocorrer nos banhos de rio foi construído no instituto um grande tanque com águas límpidas.

Às 7:45h tocava a sineta para o almoço e seguiam para o refeitório onde lá já se encontravam todos os professores e o diretor, que recebiam a saudação dos alunos. Durante a refeição poderiam conversar em voz baixa com o colega ao lado. Finda a refeição retornavam ao recreio. No recreio era proibido algazarras, assuadas, assobiar, crocitar, guinchar, choramingar, brandir paus, atirar pedras, andar sem boné ou sem tamancos quando o chão estivesse molhado.

Às 9:00h tocava a sineta para se dirigirem às suas respectivas salas de aula. Um breve recreio ao meio-dia e às 12:15h a sineta tocava para retornarem à sala de aula. Novo recreio às 14:00h. O jantar era servido às 14:10h e depois seguiam para o recreio. Às 15:30h retornavam às classes onde ficavam até às 17:30h, saindo novamente para o recreio. Às 18:00h no inverno e às 19:00h no verão, a sineta tocava para os alunos entrarem no salão de estudos e aí faziam os deveres para as classes do dia seguinte. Ceavam às 20:00h, rezavam e se dirigiam para o dormitório. Um detalhe interessante é que as refeições eram boas e abundantes, porém “sem temperos” e o uso de doce só era permitido na sobremesa em quantidade moderada.

Cartas escritas ou recebidas passavam pela inspeção do diretor. Charuto, cigarro ou rapé eram proibidos. Os alunos não poderiam ter com os escravos ou criados do instituto qualquer comunicação e conversação. Além do castigo corporal adotava-se o da “emulação e do galardão”. Castigos como repreensão, privação do recreio e das férias podem ter sido aplicados mais amiúde. O estatuto previa que a correção corporal somente poderia ser feita em atos de imoralidade e obstinada desobediência, mas veremos que não era bem assim. Poderia haver expulsão do aluno quando os castigos empregados não surtissem efeito. Vejamos na prática como eram estes castigos.

Encontramos no livro do marechal Carlos Eugênio Guimarães, “Arthur Oscar – Um soldado do Império e da República”, informações interessantes de um ex aluno do instituto. Como Arthur Oscar participou da expedição militar no massacre de Canudos mereceu do marechal uma biografia. Oscar estudou no Instituto Colegial de Nova Friburgo entre 1860 e 1863 saindo aos 13 anos de idade. Na ocasião em que lá estudou o professor Freese ainda lecionava, mas já havia transferido desde 1859 a propriedade do instituto para Freitas & Neves, de Cristóvão Vieira de Freitas e Galiano Emílio das Neves, de acordo com a ata da 2ª sessão ordinária da Câmara Municipal de 16 de agosto de 1859.

Segundo o marechal, o instituto “era dos mais afamados, pelo esmero com que educava e tratava os seus alunos, muitos dos quais, depois de terminada a educação lá encetada ocupavam eminente posição na política, nas letras, no exército…” O autor nos informa que o instituto era vasto, arejado, dispondo de grande pátio para recreio dos alunos, grandes alojamentos para os dormitórios, salas de aulas, salas de estudo e refeitório. Os alunos eram conduzidos entre o Rio de Janeiro e Nova Friburgo e vice-versa pelo diretor Galiano das Neves. No recreio jogavam o jogo do pião, jogo da bola, jogo da amarela, jogo da barra, do cão e o veado e saute-mouton. Nesta última brincadeira vários alunos se agacham e um salta por cima deles.  

Arthur Oscar frequentemente recebia castigos como copiar durante as horas do recreio as lições que não soubera e apanhou muitos bolos. Trata-se este último castigo de palmadas nas mãos fazendo uso de uma espátula de madeira, muito aplicado aos escravos domésticos. Havia o castigo de prender os alunos no “esteio” que consiste em ficarem encostados na parede do edifício, privados do recreio e olhando para os companheiros que folgavam livremente. Era castigo de pequena monta para faltas leves. Arthur Oscar por ter tangido um burro para dentro da sala de aula teve como castigo assistir a aula de joelhos e alguns alunos a ficarem de pé no banco, por terem gargalhado desta brincadeira. Esta patuscada custou ainda a Arthur meia dúzia de bolos, afora sermões do Sr. Freitas.

Bolos tomado por um escravo, Jean Baptiste Debret. Acervo BN
Bolos tomado por um escravo, Jean Baptiste Debret. Acervo BN

Além do Rio de Janeiro vinham alunos de São Paulo, Minhas Gerais e do Sul do país. Estudavam no instituto os filhos da elite fazendeira da região serrana fluminense, de estrangeiros residentes no país, enfim filhos das elites do Império. Estudaram no instituto Antônio Clemente Pinto Junior e Bernardo Clemente Pinto, ambos filhos do primeiro Barão de Nova Friburgo; João Clemente Pinto, o poeta Casimiro José Machado de Abreu, Pedro Eduardo, Guilherme e Julio Salusse; Gustavo e Henrique Leuenroth; José Antônio e Augusto Marques Braga; João e Bernardo Van Ervan; João Henrique Braune Junior; Augusto Corrêa da Rocha; Luis e Ernesto De Roure. Para quem conhece a história de Nova Friburgo vai reconhecer nestes nomes, filhos de famílias abastadas. O colégio recebeu alunos filhos de estrangeiros como George William Binns, Hendrick Jacob Wylep, James Gracie Taylor, William George Harvey, Willian Johnston, William Moore Junior, Adolph Stockmeyer, Alexandre Cunningham Hesthesley entre outros. Há o registro do aluno Augusto de Paiva Freese Pinheiro, possivelmente neto do professor Freese.

Em 1856 há um relatório do juiz de direito e inspetor da instrução secundária da Comarca de Cantagalo relatando que o instituto era frequentado por 105 alunos. Um ano depois o instituto já não aceitava mais pensionistas, ou seja, alunos internos, a não ser na medida que fossem abrindo vagas em razão da colação de grau. No mapa apresentado a um  inspetor de colégio no segundo semestre de 1857, a direção do Instituto Colegial de Nova Friburgo informou que tinha um total de 120 alunos sendo 87 pensionistas pagando mensalidade, 5 meio pensionistas pagando mensalidade; 7 pensionistas gratuitos e 21 externos pagando mensalidade. Numa estatística de 1861 havia o registro de 120 alunos.

Por determinação da lei, o instituto deveria dar cinco bolsas de estudo aos alunos carentes indicados pelo governo provincial. Geralmente eram filhos de militares falecidos a serviço do governo, de servidor público falecido que deixara a viúva sem condição de prover a educação dos filhos ou de alguém que tenha prestado relevantes serviços ao país. A província do Rio de Janeiro dava ao instituto uma subvenção anual sob a condição de serem ali educados gratuitamente um certo número de meninos carentes. Como os colonos suíços e alemães moravam em sítios bem distante da vila, não podendo mandar os seus filhos às escolas públicas ou particulares, Freese distribuía livros elementares em português, francês e alemão para que os chefes destas famílias dessem instrução a seus filhos.

O exame de final de ano que era público e oral realizava-se no mês de dezembro. Contava sempre com a presidência de alguém ilustre, a exemplo do presidente da província ou homens de escol. Participaram destes exames o Conde de Oriollo, secretário da legação da Prússia; o cavaleiro W. S. Jerningham, secretário da legação de S.M. B.; o conselheiro Von Cramer da legação da Rússia; o comendador de Greling, encarregado dos negócios da França; Hugo Von Klas, oficial engenheiro a serviço da Prússia; A. Hoogmann e Willian Pollitiz, negociantes do México e Hamburgo; João Henrique Braune, médico do colégio; o vigário suíço Jacob Joye; o rico fazendeiro de café Francisco Clemente Pinto; o médico Jean Bazet e juízes, promotores, capitães e até ministros do Império.

Neste evento havia recitações em português, latim, francês, inglês e alemão, apresentação peças musicais ao piano, canto, exibição de esgrima, jogo de espadas finalizando com exercícios ginásticos. Em 1868 o Conde d’Eu visitou o Instituto Colegial de Nova Friburgo e assistiu as aulas de álgebra e filosofia indicando os pontos que os alunos deveriam ser examinados. Eram avaliados também em boa conduta, diligência nos estudos e desempenho nas classes.

Findo o exame tinha lugar a distribuição de medalhas de ouro, prata, bronze e prêmios de primeira e segunda ordem ganhando livros. A medalha de ouro era conferida ao aluno que já tivesse recebido uma ou mais medalhas de prata, tendo se distinguido em boa conduta, diligência e adiantamento nos estudos. Os nomes dos alunos com as respectivas premiações era publicado no Jornal do Commercio. As férias de final de ano eram muito curtas, entre dez e quinze dias e as aulas começavam geralmente no dia 10 de janeiro. Havia também as do meio do ano. Alguns alunos passavam as férias no instituto e neste caso eram geralmente os originários de províncias mais distantes. No período das férias escolares o professor Freese se estabelecia na Corte e eventualmente em Niterói para entrevistas com os pais de futuros alunos.

John Henry Freese era muito respeitado na Corte, bem como em todo o país. Seu instituto era reconhecido pela qualidade de ensino rivalizando até com o tradicional Colégio D. Pedro II. Um viajante que teceu loas ao instituto foi o naturalista alemão Herman Burmeister que visitou em 1851, a vila de Nova Friburgo. Impressionou-se que uma localidade com apenas mil habitantes tivesse o estabelecimento educacional de tal ordem e relatou:

Visitei somente o diretor do grande Instituto de Educação de Nova Friburgo, o Sr. John Heinch[Henry] Freese, cujo estabelecimento fica à altura dos melhores existentes no país(…)As salas destinadas às reuniões e exames, o oratório e mais dependências do Instituto não ficam a dever nada, quanto às instalações, às suas congêneres europeias. Durante de minha estada em Nova Friburgo, o colégio, que já antes tivera 80 alunos, contava então com 60, pois a instalação de outro instituto semelhante em Petrópolis fizera com que sua frequência diminuísse. As matérias ministradas eram o grego, latim inglês, francês, alemão e português; religião, matemática, geografia, história, história natural, física, astronomia geral, desenho, contabilidade e cálculo(…)A rica biblioteca que mantinha foi de grande interesse para mim… (Viagem ao Brasil através das províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Coleção Reconquista do Brasil(Nova Série), volume 23. Belo Horizonte: editora Itatiaia Limitada, 1980)

Além do magistério o professor Freese se manteve como membro de comissões para deliberar sobre questões do comércio. Escreveu diversos livros didáticos vendidos na Corte e que eram utilizados por outros estabelecimentos de ensino. Publicou os livros “Cambist’s Compendium”, tratado sobre a natureza e regras das letras de câmbio e temas afins; “Commercio Class Book”, publicado em 1849 em Baltimore e adotado na Inglaterra e nos USA com instrução completa na teoria e prática do comércio, cartas de afretamentos, letras de câmbio e operações com metais precisos; “Elementos de conversação nas línguas portuguesa, inglesa, francesa e alemã”; “O primeiro livro de aritmética”; “Compêndio de Geografia e História”; “Instruções inocentes e doutrinais em contos de divertimentos”; “Rio Circular”; “Noções gerais acerca da educação da mocidade brasileira”; “Relatório do curso de estudos seguido no Instituto Colegial de Nova Friburgo”; “Hino a Independência do Brasil” e o curioso “Conselhos de um pai a uma noiva”. Escrevia ainda para os jornais da Corte e publicou artigos em inglês na “Folha Comercial, Política e Miscelânea”. Nos anos de 1837 a 1841 foi colaborador na seção comercial do Jornal do Commercio e também do periódico “Despertador”.

Freese contratava muitos estrangeiros para o quadro de docentes do instituto. Em 1846 contratou o Dr. Gade da Universidade de Gottingen para lecionar línguas grega, latina e alemã, bem como música; Joseph Von Hangen lecionou latim, alemão, grego e matemáticas; no ano de 1853 reconhecendo quão importante ia se tornando no país a profissão de engenheiro civil contratou no lugar do falecido cavalheiro Von Restorff, o cavalheiro A. J. Guido du Vignau, oficial engenheiro a serviço da Prússia, responsável pelas classes de engenharia, matemática, geografia, história e alemão. Dois anos depois contratou o oficial de artilharia alemã Von Lachmund para ensinar língua alemã, engenharia, matemática, esgrima, jogo de espada e outros exercícios militares e ginásticos. No ano de 1845 há o registro como lente do instituto o seu filho John Wellington Freese. Formado em matemáticas e humanidades pela Universidade de Cambridge ministrava as classes de línguas grega e latina, matemáticas, filosofia, lógica, retórica e música.

Os professores eram internos empregando todo o seu tempo ao instituto. Freese era luterano e as classes de religião eram de acordo com o culto professado pelo aluno. O padre João José Viviand, capelão do colégio, dava aulas de religião, filosofia, retórica e francês. Os professores que ministraram classes e se transferiam para a Corte faziam questão de destacar sua passagem pelo instituto quando ofereciam os seus serviços de aulas particulares. Há um anúncio de dois professores que abriram um colégio na Corte destacando que foram lentes em várias disciplinas no Instituto Colegial de Nova Friburgo e que o método seguido em seu estabelecimento de ensino seria o mesmo do professor Freese.

John Henry Freese depois de mais de uma década preparando os alunos para as academias e o comércio parecia estar esfalfado. Desde o ano de 1852 havia rumores de que estaria deixando o instituto e retornando para a Inglaterra. Em 1857, Freese declarou que tinha 33 anos de experiência como negociante tanto na Europa como no Brasil. Já estava com 68 anos de idade, muito idoso para os padrões da época. De fato, tudo indica que pretendia retornar ao seu torrão natal. A sua saída provocou burburinho na Corte e o professor foi à imprensa reproduzir e responder a carta de um pai de aluno: “Não posso deixar de aplaudir a sábia medida que V. Sa. acaba de tomar na nomeação dos vice-diretores de seu instituto; somente lastimaria se tiver por fim preencher o vácuo que V. Sa. deixará se, como por aqui se propala tem de deixar o seu instituto, por se retirar para a Europa. DECLARO QUE NÃO TENHO SEMELHANTE IDEIA”(Jornal do Commercio, 04 de abril de 1854) As letras maiúsculas parecem demonstrar sinais de irritação do professor Freese.

A todo momento tinha que desmentir publicamente o boato de que tencionava deixar Nova Friburgo e partir para a Inglaterra, para viver o resto de sua vida. O fato de procurar um sócio teria sido o motivo dos boatos. Escreveu o professor Freese “…desejava sim encontrar uma pessoa, com preferência brasileira, de certa idade, possuída dos mesmos sentimentos, que quisesse trocar a vida buliçosa do Rio e seu clima pestífero, por uma vida comparativamente tranquila no clima belo e sem igual de Nova Friburgo; pessoa com alguns meios que quisesse partilhar comigo a responsabilidade e o trabalho de uma tarefa, posto que honrosa e interessante, difícil e delicada, qual é a instrução e educação(….) pessoa que por uma reconhecida probidade, uma morigeração exemplar, habilitações e predileção para o ensino, servisse de garantia aos pais dos meus alunos, de que os interesses de seus filhos e do instituto não sofrerão por uma tal cooperação. Quem se achar nestas circunstâncias queira dirigir-se a mim por escrito”. (Jornal do Commercio, edição 00090, 1853).

Freese acabou optando pela venda. A compra foi feita por dois professores do instituto, Chistóvão Vieira de Freitas e Galiano Emílio das Neves, permanecendo o prof. Freese como diretor honorário e ministrando as classes de história, inglês, comércio e desenho. Desde a fundação do instituto, Vieira de Freitas fora lente nas classes de português, francês, aritmética e caligrafia. Já Galiano das Neves lecionava latim e música no Colégio São Vicente de Paulo em Nova Friburgo e continuou a ministrar estas disciplinas no instituto, acrescido de português. Mineiro de São João Del Rey, Galiano das Neves interrompeu os estudos de medicina em razão de incômodos de sua saúde, contraíra tuberculose pulmonar. Obrigado a encontrar um clima que conviesse ao seu melindroso estado mudou-se para Nova Friburgo. Para ocupar o seu tempo aceitou dar aula no colégio São Vicente de Paulo, do Barão de Tautpheus onde estudou o político Joaquim Nabuco. Dei destaque Galiano das Neves pois é um dos mais importantes atores históricos no século 19, em Nova Friburgo.

Em carta publicada na imprensa, Freese justifica que após a transferência decidiu tirar, depois 17 anos de trabalho, “sem a interrupção de um só dia de descanso e recreio”, férias de três meses na Inglaterra argumentando “sei que minha saúde e meu espírito reclamam breve repouso e distração”. A decisão de partir em férias para a Europa criou sérios problemas para os novos proprietários do instituto, pois correu o boato de que ele deixaria de lecionar e retornaria definitivamente para a Inglaterra. Freese justificou que a viagem para a Europa não seria perdida pois ele voltaria com novas forças para as suas ocupações e teria ocasião de estudar de perto os progressos da ciência no campo da educação e atualização das práticas comerciais. No entanto, não convenceu os pais dos alunos e teve que cancelar a sua viagem à Europa para não prejudicar os novos proprietários. Ele era a alma do instituto.

Galiano das Neves adquiriu o Instituto Colegial de Nova Friburgo. Acervo Walther S. Neves
Galiano das Neves adquiriu o Instituto Colegial de Nova Friburgo. Acervo Walther S. Neves

Chistóvão de Freitas e Galiano Emílio das Neves deram notas no Jornal do Commercio em 19 e 26 de dezembro de 1857 declarando que estavam autorizados a afirmar que o Prof Freese em obséquio a eles desistiu de seu projeto de viajar para a Europa em razão da má interpretação que se estava dando à sua viagem ao exterior. “Não se ausentará o Sr. Freese do instituto, não haverá interrupção alguma em suas classes, e continuará a ajudar-nos com a sua valiosa cooperação, seu saber e experiência são conhecidos…”  Desejando ligar o colégio com o nome de seu fundador alteraram a denominação de Instituto Colegial de Nova Friburgo para Instituto Colegial Freese. Os novos proprietários mantiveram o sistema de John Henry Freese para cooptar alunos. Davam plantão alguns dias na Corte fornecendo informações sobre o estabelecimento de ensino.

Não se sabe recorrendo apenas como fonte o Jornal do Commercio, por quanto tempo o professor Freese ficou refém em Nova Friburgo do instituto que criara. Faleceu octogenário em 2 de abril de 1866 na Freguesia do Engenho Velho no Rio de Janeiro sendo sepultado no cemitério dos ingleses. No Instituto Histórico e Geográfico o orador Macedo, por ocasião de seu falecimento declarou que John Henry Freese “…nos espíritos acendia a ciência, nos corações plantava as virtudes.” Em 15 de outubro de 1870 há o registro no Jornal do Commercio da aquisição do Instituto Colegial Freese pelos médicos Carlos Eboli e Fortunato Corrêa de Azevedo. Em primeiro de junho de 1871 a vila de Nova Friburgo apresentava um ar de festa com inauguração do Estabelecimento Sanitário Hidroterápico “onde a medicina curativa achará nesse ninho de saúde mais um poderoso auxiliar curativo”. O professor Freese deixou um legado. Nova Friburgo fica reconhecido como o município que possuía os melhores colégios do país já que outros irão suceder o Instituto Colegial de Nova Friburgo, a exemplo do colégio Anchieta da Ordem dos Jesuítas.


Janaína Botelho – Serra News

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