O caso dos prisioneiros alemães no Sanatório Naval de Nova Friburgo
Durante a Primeira Guerra Mundial(1914-1918) ocorreu um interessante episódio em Nova Friburgo envolvendo prisioneiros alemães, que coincide com o início da industrialização do município, que mudou a sua história. No início deste conflito mundial, 45 navios alemães da Marinha Mercante foram detidos nos portos brasileiros. O objetivo era aprisionar e “internar” os tripulantes dos navios em diferentes locais. Uma das cidades a que se destinou um grupo deles foi Nova Friburgo que possuía uma base da Marinha, o Sanatório Naval. No ano de 1889, a Marinha instalou em Nova Friburgo enfermarias em duas chácaras na rua Gal Osório, para o tratamento de marujos acometidos por beribéri. Já em junho de 1910 adquiriu do conde de Nova Friburgo o “barracão”, belíssimo chalé de alvenaria e estruturas de ferro inglesas, dentro de imensa gleba de 196 alqueires, para acolher e tratar marujos tuberculosos. Existe controvérsia sobre o número de prisioneiros instalados no Sanatório Naval, e segundo Carlos Fischer em “Uma História em Quatro Tempos” foram aproximadamente 227 alemães da Marinha Mercante.
![O caso dos prisioneiros alemães no Sanatório Naval de Nova Friburgo 1 O Sanatório Naval inicialmente estava instalado em uma gleba de 196 alqueires. Acervo Sanatório Naval](https://www.serranewsrj.com.br/wp-content/uploads/2023/09/O-Sanatorio-Naval-inicialmente-estava-instalado-em-uma-gleba-de-196-alqueires.-Acervo-Sanatorio-Naval.jpg)
Os prisioneiros ficaram instalados bem distante do “barracão”, na base de uma colina, possivelmente para evitar o contato com os marujos tuberculosos. Os que ocupavam os mais altos postos de comando ficaram acomodados em barracões de madeira feitos especialmente para eles, e os demais acampados em barracas no que se denominou de Campo de Internação. O acampamento era uma verdadeira atração na cidade e curiosos se dirigiam ao Sanatório Naval para observar os prisioneiros alemães. Até times de futebol foram formados competindo os prisioneiros contra a população local em partidas realizadas nas instalações do sanatório. No entanto, a pandemia de gripe espanhola vitimou alguns prisioneiros alemães que tinham contato com a população. Em Nova Friburgo entre 800 e 1000 pessoas faleceram desta gripe, conforme o diário dos padres do Colégio Anchieta.
![O caso dos prisioneiros alemães no Sanatório Naval de Nova Friburgo 2 Acampamento de prisioneiros alemães no Sanatório Naval. Acervo internet](https://www.serranewsrj.com.br/wp-content/uploads/2023/09/Acampamento-de-prisioneiros-alemaes-no-Sanatorio-Naval.-Acervo-internet.jpg)
Entre os prisioneiros foram vitimados da gripe espanhola Wilhelm England, falecido em 18 de janeiro de 1918 com 32 anos de idade; Walter Schumacher, falecido em 11 de fevereiro de 1918 com 19 anos de idade; Karl Schluter, falecido em 12 de fevereiro de 1918 com 42 anos de idade; Richard Villvock, falecido em 20 de maio de 1918 com 40 anos de idade; Otto Ewelin, falecido em 10 de junho de 1918 com 36 anos de idade; Hans Drews, falecido em 26 de outubro de 1918 com 30 anos de idade; Otto Forster, falecido em 27 de outubro de 1918 com 30 anos de idade; Georg Stener, falecido em 2 de novembro de 1918 com 27 anos de idade; Karl Bochlert, falecido em 11 de novembro de 1918 com 33 anos de idade; August Koll, falecido em 17 de novembro de 1918 com 26 anos de idade; Emil Godescheit, falecido em 23 de janeiro de 1919 com 43 anos de idade e mais um cuja lápide não está legível. Todos foram enterrados no cemitério luterano de Nova Friburgo.
![O caso dos prisioneiros alemães no Sanatório Naval de Nova Friburgo 3 A gripe espanhola levou a óbito alguns prisioneiros alemães. Acervo pessoal](https://www.serranewsrj.com.br/wp-content/uploads/2023/09/A-gripe-espanhola-levou-a-obito-alguns-prisioneiros-alemaes.-Acervo-pessoal.jpg)
Aos prisioneiros alemães foi dada permissão pelo governo brasileiro para trabalharem onde estivessem “internados”. Para tanto, o empregador deveria manter periódico contato com a Comissão Militar comunicando a permanência do “internado” a seu serviço. Em 1911, o empresário alemão Peter Julius Ferdinand Arp(1858-1945) se estabeleceu em Nova Friburgo investindo na indústria têxtil. Iniciou a produção de rendas de bilro, cadarços, atacadores de sapatos e iscas para isqueiro. No ano seguinte, o alemão Maximilian Wilhelm Bogislav Falck inaugurou a Fábrica Ypu produzindo artigos de passamanaria. Arp e Falck contrataram alguns prisioneiros alemães, seus compatriotas, para trabalharem em suas indústrias nas recém instaladas.
![O caso dos prisioneiros alemães no Sanatório Naval de Nova Friburgo 4 Fábrica de Rendas Arp fundada por Peter Julius Ferdinand Arp. Acervo Espaço Arp](https://www.serranewsrj.com.br/wp-content/uploads/2023/09/Fabrica-de-Rendas-Arp-fundada-por-Peter-Julius-Ferdinand-Arp.-Acervo-Espaco-Arp.jpg)
Richard Hugo Otto Ihns(1889-1960) foi um dos contratados. Originário da Prússia, oficial da Marinha Mercante alemã, encontrava-se em Pernambuco quando a Primeira Guerra Mundial eclodiu. Seu navio ficara detido até que, em 1917, as autoridades brasileiras resolveram que parte da tripulação, o “Cap. Finister” se dirigisse para Nova Friburgo. Otto Ihns foi contratado em 19 de julho de 1919 como diretor-técnico e desde então a Fábrica de Rendas Arp se desenvolveu a passos largos. O grandioso investimento feito por Julius Arp na indústria têxtil talvez não alcançasse o extraordinário desenvolvimento a que chegou, se não fosse a administração de Otto Ihns.
![O caso dos prisioneiros alemães no Sanatório Naval de Nova Friburgo 5 Otto Ihns colocou a Rendas Arp como uma das mais importantes indústrias têxteis do Brasil. Acervo Fischer](https://www.serranewsrj.com.br/wp-content/uploads/2023/09/Otto-Ihns-colocou-a-Rendas-Arp-como-uma-das-mais-importantes-industrias-texteis-do-Brasil.-Acervo-Fischer-189x320.jpg)
Otto Ihns expandiu a produção de rendas e em 1920 diversificou a linha de produtos com a fabricação de bordados. Poucos anos depois, em 1924 inovou com a importante fabricação de fios de algodão, que se tornou o carro-chefe da empresa e referência nacional, inaugurando ainda as seções de tinturaria e alvejaria. Quando foi admitido havia 130 funcionários e em 1923 aumentou para 454 o número deles. Introduziu entre os operários valores morais como pontualidade, disciplina, organização, valor do tempo, o sucesso e o insucesso. Os funcionários assimilaram os costumes e hábitos europeus diferenciando-se das demais cidades fluminenses. Recebeu o título de cidadão brasileiro em 1933, participou da fundação em Nova Friburgo da “Sociedade 21” formada por simpatizantes de Adolf Hitler, hoje Sociedade Esportiva Friburguense. Foi o presidente da comunidade luterana local. Richard Hugo Otto Ihns administrou a Rendas Arp durante 41 anos até seu falecimento em 17 de julho de 1960. A sua importância pode ser verificada quando a Rendas Arp celebrou seus 50 anos. Por meio de subscrição dos funcionários da fábrica foi inaugurado um busto de bronze, em homenagem ao diretor e ex prisioneiro de guerra. No busto consta a seguinte inscrição: “Richard Hugo Otto Ihns, os empregados da fábrica de Rendas Arp S.A num testemunho de gratidão e respeito ao seu inesquecível e saudoso diretor-gerente galvanizam neste bronze a sua eterna lembrança. 1919-1960. Cinquentenário da fábrica de Rendas Arp S.A”
![O caso dos prisioneiros alemães no Sanatório Naval de Nova Friburgo 6 Busto de Richard Hugo Otto Ihns nas instalações da Fábrica de Rendas Arp. Acervo Espaço Arp](https://www.serranewsrj.com.br/wp-content/uploads/2023/09/Busto-de-Richard-Hugo-Otto-Ihns-nas-instalacoes-da-Fabrica-de-Rendas-Arp.-Acervo-Espaco-Arp.png)
Janaína Botelho: roteirista, historiadora e professora