A tradição do tapete-mosaico partiu do Colégio Anchieta em Friburgo
Divisão dos médios, 1916. Acervo Colégio AnchietaO Colégio Anchieta foi instalado em Nova Friburgo em 1886, pela Ordem dos Jesuítas. Era um educandário com regime de internato destinado apenas a estudantes do sexo masculino. A notória excelência dos estabelecimentos de ensino dos Jesuítas atraiu alunos de todos os Estados para estudar no Colégio Anchieta. Os alunos internos eram agrupados em divisões, como maiores, médios e menores, conforme a classe que frequentavam e cada uma tinha um santo padroeiro. O dos maiores era o Sagrado Coração de Jesus, dos médios São Luiz de Gonzaga e dos menores os Santos Anjos da Guarda. A festa do padroeiro de cada divisão ocorria em meses diferenciados sendo preparada com muita solenidade e efetiva participação dos alunos. O Padre-Reitor nomeava inclusive uma comissão na divisão que festejava, que organizava e distribuía as tarefas entre os colegas.

O Padre Prefeito, responsável pela divisão, não poupava esforços e nem dinheiro para que seus tutelados apresentassem suntuosos trabalhos artísticos no pátio de seu recreio, para homenagear o padroeiro. Na semana que antecedia a festa, os estudantes preparavam as ornamentações confeccionando rosas artificiais multicores, florões, bandeirinhas, monogramas, etc. Pilastras imitando mármore, artísticas esculturas, capitéis góticos, graciosas cornijas, magníficos arcos, torres, colunas, jardins e um tapete-mosaico de areia de variadas cores ornamentavam o pátio do recreio da divisão. No entanto, não obstante todo o primoroso trabalho artístico das esculturas, o tapete-mosaico era o que mais chamava a atenção da população, destacando-se no pátio. Com o passar dos anos, na festa do padroeiro das divisões, a esplêndida e ostentosa ornamentação foi desaparecendo, possivelmente em razão dos custos, se restringindo tão somente a confecção do tapete-mosaico.

Nos dias que precediam a festa do orago eram traçados no pátio desenhos cuidadosamente elaborados do tapete-mosaico e feito os recortes dos moldes. Este trabalho era realizado geralmente pelo próprio Padre Prefeito. A fase seguinte era providenciar areia de cores variadas para preencher os desenhos do tapete-mosaico, primorosa obra de paciência. Nesta etapa, entrava o trabalho dos estudantes. Enquanto um grupo cavoucava o barro vermelho, a terra granítica e o alvíssimo saibro nos barrancos do terreno do colégio, outro peneirava e separava este material na extremidade do pátio. Era um verdadeiro formigueiro, um contínuo vai e vem de areias multicores transportadas em carrinhos pelos animados estudantes. Cada divisão procurava esmerar-se de modo a sobrepujar em beleza os tapetes-mosaicos das outras.

De acordo com o ex aluno Octávio Barbosa da Silva, “Cada divisão desejava sobrepor-se à outra, apresentando o melhor tapete de areia no respectivo pátio. E quanta dedicação, quanta arte, quanta originalidade púnhamos nos trabalhos de ornamentação!” Durante o trabalho era-lhes servido merenda como bons-bocados, sonhos, mães-bentas, queijadinhas, sorvete de anis, cerveja e um golezinho de licor. No dia do padroeiro eram despertados na alvorada pela banda colegial e o festivo ribombar de inúmeros morteiros e espocar de girandolas. Trajando a farda preta e portando a medalha do patrono ao peito se dirigiam a capela toda engalanada para a missa solene que tinha a participação da orquestra. Durante o ofício motetes, canto e comunhão geral. Após a missa, uma reconfortante chávena de chocolate e pão de ló. A seguir trocavam a farda preta por uma roupa leve e se dirigiam ao pátio na faina de dar a última demão no tapete-mosaico antes da procissão, caso fosse necessário reparar as avarias sofridas por intempéries, como a chuva e o vento na véspera.

A procissão fazia o percurso em volta do tapete-mosaico ao som de marchas religiosas executadas pela banda colegial, sob o espoucar de foguetes e ribombar de morteiros. O cortejo era acompanhado pelos familiares dos estudantes e pessoas convidadas da sociedade friburguense. O tapete-mosaico ficava em exposição durante alguns dias para ser visto pela população friburguense. Atraía grande público para apreciá-lo e viraram cartões postais do educandário. Esta prática acabou se estendendo a cidade de Nova Friburgo e o clérigo local passou a confeccionar o tapete-mosaico de areia multicolorido no Corpus Christi virando uma tradição no município. Como escreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade, ex aluno do Anchieta: “O tapete de areia colorida que vamos delineando no recreio há de ser celebrado toda a vida como arte maior do nosso tempo.”





