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A tradição do tapete-mosaico partiu do Colégio Anchieta em Friburgo

O Colégio Anchieta foi instalado em Nova Friburgo em 1886, pela Ordem dos Jesuítas. Era um educandário com regime de internato destinado apenas a estudantes do sexo masculino. A notória excelência dos estabelecimentos de ensino dos Jesuítas atraiu alunos de todos os Estados para estudar no Colégio Anchieta. Os alunos internos eram agrupados em divisões, como maiores, médios e menores, conforme a classe que frequentavam e cada uma tinha um santo padroeiro. O dos maiores era o Sagrado Coração de Jesus, dos médios São Luiz de Gonzaga e dos menores os Santos Anjos da Guarda. A festa do padroeiro de cada divisão ocorria em meses diferenciados sendo preparada com muita solenidade e efetiva participação dos alunos. O Padre-Reitor nomeava inclusive uma comissão na divisão que festejava, que organizava e distribuía as tarefas entre os colegas.

Barro vermelho, terra granítica e saibro eram utilizados no tapete-mosaico. Acervo Colégio Anchieta
Barro vermelho, terra granítica e saibro eram utilizados no tapete-mosaico. Acervo Colégio Anchieta

O Padre Prefeito, responsável pela divisão, não poupava esforços e nem dinheiro para que seus tutelados apresentassem suntuosos trabalhos artísticos no pátio de seu recreio, para homenagear o padroeiro. Na semana que antecedia a festa, os estudantes preparavam as ornamentações confeccionando rosas artificiais multicores, florões, bandeirinhas, monogramas, etc. Pilastras imitando mármore, artísticas esculturas, capitéis góticos, graciosas cornijas, magníficos arcos, torres, colunas, jardins e um tapete-mosaico de areia de variadas cores ornamentavam o pátio do recreio da divisão. No entanto, não obstante todo o primoroso trabalho artístico das esculturas, o tapete-mosaico era o que mais chamava a atenção da população, destacando-se no pátio. Com o passar dos anos, na festa do padroeiro das divisões, a esplêndida e ostentosa ornamentação foi desaparecendo, possivelmente em razão dos custos, se restringindo tão somente a confecção do tapete-mosaico.

Ano de 1903, quando o pátio era também ornamentado com esculturas. Acervo Colégio Anchieta
Ano de 1903, quando o pátio era também ornamentado com esculturas. Acervo Colégio Anchieta

Nos dias que precediam a festa do orago eram traçados no pátio desenhos cuidadosamente elaborados do tapete-mosaico e feito os recortes dos moldes. Este trabalho era realizado geralmente pelo próprio Padre Prefeito. A fase seguinte era providenciar areia de cores variadas para preencher os desenhos do tapete-mosaico, primorosa obra de paciência. Nesta etapa, entrava o trabalho dos estudantes. Enquanto um grupo cavoucava o barro vermelho, a terra granítica e o alvíssimo saibro nos barrancos do terreno do colégio, outro peneirava e separava este material na extremidade do pátio. Era um verdadeiro formigueiro, um contínuo vai e vem de areias multicores transportadas em carrinhos pelos animados estudantes. Cada divisão procurava esmerar-se de modo a sobrepujar em beleza os tapetes-mosaicos das outras.

O pároco de Friburgo passou a utilizar o tapete-mosaico no Corpus Christi. Acervo Colégio Anchieta
O pároco de Friburgo passou a utilizar o tapete-mosaico no Corpus Christi. Acervo Colégio Anchieta

De acordo com o ex aluno Octávio Barbosa da Silva, “Cada divisão desejava sobrepor-se à outra, apresentando o melhor tapete de areia no respectivo pátio. E quanta dedicação, quanta arte, quanta originalidade púnhamos nos trabalhos de ornamentação!” Durante o trabalho era-lhes servido merenda como bons-bocados, sonhos, mães-bentas, queijadinhas, sorvete de anis, cerveja e um golezinho de licor. No dia do padroeiro eram despertados na alvorada pela banda colegial e o festivo ribombar de inúmeros morteiros e espocar de girandolas. Trajando a farda preta e portando a medalha do patrono ao peito se dirigiam a capela toda engalanada para a missa solene que tinha a participação da orquestra. Durante o ofício motetes, canto e comunhão geral. Após a missa, uma reconfortante chávena de chocolate e pão de ló. A seguir trocavam a farda preta por uma roupa leve e se dirigiam ao pátio na faina de dar a última demão no tapete-mosaico antes da procissão, caso fosse necessário reparar as avarias sofridas por intempéries, como a chuva e o vento na véspera.

A procissão fazia o percurso em volta do tapete-mosaico. Acervo Colégio Anchieta
A procissão fazia o percurso em volta do tapete-mosaico. Acervo Colégio Anchieta

A procissão fazia o percurso em volta do tapete-mosaico ao som de marchas religiosas executadas pela banda colegial, sob o espoucar de foguetes e ribombar de morteiros. O cortejo era acompanhado pelos familiares dos estudantes e pessoas convidadas da sociedade friburguense. O tapete-mosaico ficava em exposição durante alguns dias para ser visto pela população friburguense. Atraía grande público para apreciá-lo e viraram cartões postais do educandário. Esta prática acabou se estendendo a cidade de Nova Friburgo e o clérigo local passou a confeccionar o tapete-mosaico de areia multicolorido no Corpus Christi virando uma tradição no município. Como escreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade, ex aluno do Anchieta: “O tapete de areia colorida que vamos delineando no recreio há de ser celebrado toda a vida como arte maior do nosso tempo.”

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