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Friburgo: Vida caipira na toca de pedra em São Pedro da Serra

No princípio do século 19, uma parte do recém-criado município de Cantagalo é desmembrada para instalar colonos suíços, dando origem ao termo de Nova Friburgo. Para tanto, foram demarcados lotes de terra e doados a estes colonos para se dedicarem ao cultivo de mandioca, milho, feijão e arroz, bem como na criação de animais. Os lotes foram distribuídos para serem compartilhados entre duas ou três famílias, em razão do número de colonos ter excedido ao que fora acordado. Como uma parte dos lotes eram impróprios para a agricultura, os colonos suíços começaram a abandonar o núcleo colonial se dirigindo para as cabeceiras do rio Macaé, para outras freguesias ou mesmo para Cantagalo.

O Sr. Moacyr fala sobre a sua infância na toca de pedra. Acervo pessoal
O Sr. Moacyr fala sobre a sua infância na toca de pedra. Acervo pessoal

Entrevistei o Sr. Moacyr Marchon, nascido em 1921, para conhecer a história de uma família colona que se deslocou em direção a extensão do núcleo colonial. Originários do Cantão de Fribourg, um grupo dos Marchon se dirigiu para Conceição de Macabu, assim como outras famílias suíças. O Sr. Moacyr é filho de João Theodoro Vieira e de Emília Marchon, mas seu pai faleceu quando ele era ainda criança. No passado, uma mulher que ficasse viúva ainda jovem e com filhos se casava novamente dentro de arranjos matrimoniais no grupo familiar, como foi o caso de Emília Marchon que viúva se casou com o cunhado Pedro Schuabb, igualmente viúvo. Desta união, juntando os filhos de ambas as relações anteriores, a família passou a ser composta por 17 pessoas.

O Sr. Moacyr  mostra um pé de café em seu quintal. Acervo pessoal
O Sr. Moacyr  mostra um pé de café em seu quintal. Acervo pessoal

Como um bom contador de histórias, o Sr. Moacyr inicialmente nos traz um dado interessante sobre a presença de indígenas na região. Sua mãe era cabocla, pois sua avó Luiza Marchon foi “pega a laço” e raptada por um indígena quando morava em Conceição de Macabu. Pesquisadores assinalam a presença de tribos indígenas Saruçus, Coroados e Goitacás neste município. Quando a velha casa de “tabuinha” que residiam em Conceição de Macabu desabou, a família se mudou para Nova Friburgo se instalando numa, em São Pedro da Serra. O Sr. Moacyr recorda-se que havia na caverna ossada e machado de pedra de indígenas. Nas proximidades da toca de pedra, seu padrasto Pedro Schuabb derrubou com o machado a mata de “pau de lei, cedro, tapenoã e camboatá”. A seguir tocou fogo na terra e preparou lavouras de inhame de gruta, milho e mandioca.

Momento em que documentei a entrevista do Sr. Moacyr. Acervo pessoal
Momento em que documentei a entrevista do Sr. Moacyr. Acervo pessoal

Havia uma luta do homem com a natureza pela sobrevivência. Assim que se instalaram, animais como porco do mato, caititu, quati e macaco comiam a lavoura de milho. Mas na medida em que o seu padrasto foi derrubando a mata, os animais foram desaparecendo. Para assustar as onças durante a noite, o padrasto fazia uma fogueira do lado de fora da toca. A família consumia além de legumes de sua roça, palmito, e o Sr. Moacyr se recorda que sua mãe cozinhava banana verde, a seguir amassava e adicionava caldo da carne de macaco. Carne nunca faltava e comiam paca, macaco, jacu e caças do mato que a mãe cozinhava no fumeiro, que ajudava igualmente a espantar os mosquitos. Mesmo assim as crianças estavam sempre com caroços de picadas de insetos pelo corpo todo. A farinha de mandioca e o sal eram comprados. Dormiam na esteira e o travesseiro era de saco de farinha que enchiam com palha de milho e capim gordura. A roupa era uma camisola feita de saco que a mãe tingia na panela, dando-lhe coloração. Não tinham sapato e somente muito tempo depois puderam ter um tamanco português, depois a malandrinha e finalmente um chinelo. O banho era no riacho próximo.

O Sr. Moacyr com 101 anos em seu quintal. Acervo pessoal
O Sr. Moacyr com 101 anos em seu quintal. Acervo pessoal

As crianças ficavam soltas e só chegavam na toca no final da tarde. Caçavam passarinho com bodoque e matavam cobra com ouriço no pau. O castigo era o chicote ou a correia que o pai aplicava na perna. Quando uma das crianças fazia uma peraltice apanhava todo mundo, pois um teria que vigiar o outro. Conforme o Sr. Moacyr, como a camisola era lavada somente uma vez por semana, parecendo couro de boi, o chicote pegando no tecido duro, não machucava muito. Mas quando o padrasto suspendia a camisola doía bem, pois não usavam nada debaixo da roupa. Era muito comum terem lombrigas e a barriga ficava muito inchada provocando um apetite imenso. Nada matava a fome. Os vermes se embolavam um com o outro provocando calombos na barriga. Tinham que esfregar a barriga ou comer qualquer coisa para desembolarem. O padrasto socava erva Santa Maria e misturava com óleo de rícino dando para as crianças beberem, e com esta medida, os vermes saíam nas fezes.

Da janela da sala a bela vista do quintal. Acervo pessoal
Da janela da sala a bela vista do quintal. Acervo pessoal

Moacyr Marchon trabalhou como tropeiro durante quase dez anos “tocando os burros” do Júlio Manhães, Aristão Martins e João Bonn. Conduziam a tropa até o centro de Nova Friburgo transportando batata inglesa, feijão, palmito, capado e ovos. Cada mula suportava dois jacás ou balaios de 60 kg de cada lado. Saíam nas primeiras horas da manhã e arranchavam no Colonial 61. Tiravam a carga dos animais, lavavam os lombos feridos dos burros e os colocavam na campina para pastar. O rancho oferecia pasto e um abrigo com fogão. Cozinhavam carne seca, arroz, batata e coavam café. Quando chovia, alguns animais derrapavam caindo e então tinham que tirar a mercadoria de cima deles e arrumar toda a carga novamente sobre seus lombos. Traziam de Friburgo sal, querosene, açúcar e sacas de arroz. Os moradores de São Pedro da Serra adoram ouvir a histórias do Sr. Moacyr Marchon. Atualmente ele está com 101 anos de idade e continua sendo um grande  contador de histórias, proporcionando aos seus ouvintes uma deliciosa prosa.


Janaína Botelho – Serra News

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