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Colonos suíços na terra dos inhames

O colonizador português, que tinha como prática intercambiar produtos de suas colônias trouxe o inhame do continente africano para o Brasil. O nome inhame tem origem vocabular na África Ocidental. Esta iguaria que significa comer vem de ñame, iñame, igname, yame, yam, yams até chegar a inhame. Câmara Cascudo nos informa que o cardápio dos indígenas Tupiniquins constava notadamente de inhames. A raiz que alimentava o brasileiro era a mandioca, mas o inhame era igualmente uma iguaria muito apreciada. No século 19, Macaé de Cima,  zona rural de Nova Friburgo era conhecido como “Inhames”. Além de medrar um tipo de café, o inhame era igualmente uma das culturas da região.

O inhame trazido da África encontrou no interior fluminense condições favoráveis ao seu desenvolvimento pelas mãos dos colonos suíços, que se dedicavam ao amanho da terra. Foram para os Inhames algumas famílias colonas suíças. Como havia muita queixa na colônia em relação as glebas de terra que lhes foram distribuídas, D. Pedro I desobrigou-os de ali permanecerem, autorizando-os a buscar terras devolutas para além da colônia. Em 10 de novembro de 1821, João Vieira de Carvalho, diretor da colônia distribui aos agricultores suíços datas de terra nas cabeceiras do rio Macaé. De acordo com o historiador Martin Nicoulin em “A Gênese de Nova Friburgo”, diversas famílias colonas passaram a explorar os Inhames como Perrier, Perroud, Musy, Schueller, Stocklin, Bohrer, Aklin, Moser, Probst, Monnerat e Mettraux. Os colonos radicados desejavam formar uma vila no centro destes novos estabelecimentos agrícolas. Escolheram o nome de São Pedro em gratidão a D. Pedro I que lhes permitiu ocupar novas terras. Ainda segundo Nicoulin, esta transferência para a região vai continuar nos anos seguintes.

Ouverney de Benfica, região outrora conhecida como Inhames. Acervo pessoal
Ouverney de Benfica, região outrora conhecida como Inhames. Acervo pessoal

Além do milho e café, os colonos suíços se dedicaram a cultura inhame, que nesta região é tenro, cremoso, tem um sabor inigualável. Em Rio Bonito de Lumiar os moradores locais realizam anualmente a Festa do Inhame, normalmente no mês de agosto. Barracas com guloseimas feitas de inhame, gincana, dança e apresentação da quadrilha local fazem parte da programação, evento que a população friburguense desconhece. Os agricultores fazem a exposição de seus produtos com a eleição do maior inhame produzido na região. Tive ocasião de experimentar esta iguaria em uma pesquisa de campo que fiz com a família Ouverney, descendentes de colonos suíços. O curioso é que o inhame até hoje é um substituto do pão nesta região. Durante a minha estada observei que duas crianças, netos do casal Ouverney chegaram à residência famintos e lhes foi dado um inhame cozido, frito na banha de porco. Foi quando experimentei o inhame desta região! Nunca comi nada tão delicioso na minha vida, que repasto dos deuses! Com uma fina crosta proveniente da fritura, por dentro era tão cremoso que mal nos damos conta que estamos comendo simplesmente inhame.

O inhame substituiu do pão na família Ouverney. Acervo pessoal
O inhame substituiu do pão na família Ouverney. Acervo pessoal

Rio Bonito de Lumiar faz divisa com o município de Bom Jardim que igualmente tem no inhame uma de suas atividades agrícolas. O distrito de Barra Alegre, em Bom Jardim, na década de 1980 foi reconhecido como o maior produtor mundial de inhame por hectare quadrado, difundindo um modo de plantio que influenciou todo o país, para fausto de seus agricultores. Igualmente este distrito organiza a “Festa do Inhame” e na última edição os moradores do vilarejo de Santo Antônio elaboraram um caderno com receitas utilizando o inhame. Uma preciosidade! Nhoque de inhame com shitake e gorgonzola ou com quatro queijos, coxinha de inhame, pão de inhame, broa de inhame, pão caseiro de inhame, sorvete de inhame com manga e gengibre, cocada pintadinha de inhame, pudim de inhame com coco, beijinho de inhame, brigadeiro de inhame e bolo de inhame.

Caderno de receitas produzido pela comunidade rural de Santo Antônio, em Barra Alegre. Acervo pessoal
Caderno de receitas produzido pela comunidade rural de Santo Antônio, em Barra Alegre. Acervo pessoal

Observei que os elaboradores das receitas eram em boa parte descendentes de suíços, a exemplo dos Ouverney e Tardin. Esta região que hoje é Bom Jardim já foi outrora a freguesia de São José do Ribeirão, pertencente a Nova Friburgo. Por isso o inhame, que não reconhece a fronteira geopolítica elaborada pelo homem, se encontra nestes dois municípios. A consequência do plantio desta cultura se manifesta com a Festa do Inhame. Quando participei do passeio Caminhos do Imperador, idealizado pelo empresário Mezak Gualberto, visitei a vila Areinhas localizada em frente à fazenda Areas, que pertenceu a Antônio Clemente Pinto, o primeiro Barão de Nova Friburgo. Nesta vila  existe uma comunidade quilombola, apesar de não ser reconhecida oficialmente como tal, que faz parte do projeto Caminhos do Imperador. Ali conversando com os moradores locais, as mulheres da comunidade me informaram que é uma tradição na família dar às crianças inhame cru para a cura de diversas doenças.

Na imagem cabeça de inhame, pouco aproveitado na culinária nacional. Acervo pessoal
Na imagem cabeça de inhame, pouco aproveitado na culinária nacional. Acervo pessoal

Existe uma iguaria feita pela comunidade rural de Nova Friburgo que remonta possivelmente ao século 19, a broa de milho com legumes crus. Entrevistei Maria Bercília Mozer de Moraes, na Vila Mozer, em Lumiar, para conhecer os ingredientes desta broa. Além do inhame e da cabeça de inhame, este último pouco aproveitado na culinária nacional, são adicionados legumes como batata doce, chuchu, cará, abóbora e mandioca, todos ralados crus. O ingrediente básico é a farinha de milho, o fubá, que pode ser branco ou amarelo, ou mesmo ambos. Entra igualmente na broa ingredientes como açúcar, pequena medida de banha de porco, óleo, margarina, farinha de trigo, leite, ovos e fermento. A massa da broa de milho pode ser envolvida em folhas de bananeira ou de Caeté e assada em um forno de barro. Até hoje o inhame é plantado na região, neste distrito rural outrora denominado de Inhames.


Janaína Botelho – Serra News

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