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Imigração Italiana na Serra Fluminense

A imigração maciça de trabalhadores estrangeiros para o Brasil, sobretudo a partir de 1886, está diretamente ligada a formação de uma mão-de-obra livre para a grande lavoura. Cerca de 3,8 milhões de estrangeiros entraram no Brasil entre 1887 e 1930, com os italianos formando o grupo mais numeroso (35,5% do total), vindo a seguir os portugueses (29%) e os espanhóis (14,6%). Em decorrência da grande demanda de força de trabalho para as lavouras de café, o período de 1887 a 1914 concentrou o maior número de chegada destes imigrantes, com aproximadamente 2,74 milhões de pessoas. A mobilidade social ascendente dos imigrantes nas cidades é inquestionável, como atesta o seu êxito em atividades comerciais e industriais, nos informa o historiador Boris Fausto.

Bonfiglio Zagni colono em São Sebastião do Alto. Acervo Oscar Zagni
Bonfiglio Zagni colono em São Sebastião do Alto. Acervo Oscar Zagni

De um modo geral os italianos que imigraram para alguns municípios da região serrana fluminense vieram como colonos para trabalhar nas plantações de café, em substituição ao trabalho dos escravizados. Nos municípios desmembrados da grande Cantagalo se dirigiram os Segalotti, Zagni, Bianchini, Pietrani, Bolorini, Temperini, Boquimpani, Stanísio, Topini, Chimini, Polloni, Topini, Broglia, Montechiari, Angelis,  Giampaoli, Latini, Storani, Tambesi, Baldoni, Forconi, Tacconi, Cimini, Pianesi, Bartola, Moriconi, Lelli, Temperini, Fratani, Badini, Sagretti, Talarico, Castricini, Pietrani, Bollorini, Campagnucci, Bochimpani e Margaratini.

Fazenda São Marcos que recebeu colonos italianos. Acervo pessoal
Fazenda São Marcos que recebeu colonos italianos. Acervo pessoal

Merece destaque o coronel Cornélio de Souza Lima, proprietário da Fazenda São Feliciano do Córrego dos Índios, depois rebatizada de Fazenda São Marcos. Nascido na zona da Mata Mineira, em 1849, o coronel Cornélio se estabeleceu em São Sebastião do Alto se afazendando. De acordo com Lécio Augusto Ramos, autor do livro “A Mesopotâmia Fluminense”, o coronel era um homem culto, diferentemente de seus pares e bem relacionado no Rio de Janeiro. Percebendo que a escravidão estava na iminência de terminar cuidou da renovação da mão-de-obra de sua propriedade.

Em 1884 introduziu o trabalho livre na lavoura de café de sua fazenda, que na sua perspectiva além de substituir o braço escravo poderia aumentar a produção. Estabeleceu em São Marcos uma colônia agrícola baseada no sistema de parceria, segundo o qual os colonos receberam alojamento e os suprimentos necessários para o trabalho dividindo com o proprietário a colheita, possivelmente a terça parte ou a metade, conhecida como meação. Utilizou os serviços da empresa Angelo Fiorita & Cia que se encarregava do traslado de imigrantes italianos, nos informa Augusto Ramos. Em dezembro de 1884 chegaram na Fazenda São Marcos os 17 primeiros colonos italianos e posteriormente outros da mesma nacionalidade se incorporaram ao grupo. A vinda destes colonos foi intensificada com o fim da escravidão se tornando a área reservada na fazenda a estes imigrantes semelhante a uma vila.

Augusto Ramos levantou a relação dos colonos que vieram para São Marcos sendo eles Benedetto Polloni, Carlo Topini, Domenico Broglia, Enrico Montechiari, Eugenio de Angelis, Giuseppe Giampaoli, Luigi Latini, Luigi Storani, Luigi Tambesi, Natale Baldoni, Nicola Forconi, Pacifico Tacconi, Pasquale Cimini, Vicenzo Pianesi, Luigi Bartola, Paolo Moriconi, Giuseppe Lelli, Nicola e Pietro Temperini, Angelo Fratani, Carlo Badini, Luigi Sagretti, Pasquale Talarico, Constantino Castrini, Giovanni Pietrani, Ettore Bonan, Luigi Bollorini, Enrico Campagnucci, Secondo Bochimpani, Luigi Margaritini e Floriano Segalotti. De acordo com o historiador Marcelo Almeida imigraram para o município de Sumidouro a partir do final do século 19 muitas famílias italianas, a maioria camponeses do norte da Itália como os Lampa, Longo, Bertoloto, Marchitto, Zavoli, Lattanzi, Murizine, Donin, Zão, entre outros. Tradicionalmente os Cariello se concentraram no município de Bom Jardim, mas no distrito de Jaguarembé, em Itaocara, quase toda a população tem o nome de família Cariello.

Família de Geraldo Murizine em Sumidouro. Acervo Pro-Memória Sumidouro
Família de Geraldo Murizine em Sumidouro. Acervo Pro-Memória Sumidouro

Em Nova Friburgo iniciamos a questão imigratória com dois ilustres italianos, Carlos Eboli e Elviro Martignoni. O médico napolitano Carlos Eboli construiu em 1871 o grandioso Instituto Sanitário Hidroterápico no centro de Nova Friburgo. Utilizava a hidroterapia como tratamento para diversas doenças tendo escolhido a vila serrana pela salubridade de seu clima e igualmente em razão da qualidade e abundância de suas águas. Como precisava dar boas acomodações aos que procuravam o seu instituto construiu próximo  um belíssimo hotel em estilo neoclássico, que abriga atualmente o Colégio N.S. das Dores.

   Elviro  Martignoni deixou um legado artístico em Friburgo. Acervo João Angelo Martignoni
Elviro  Martignoni deixou um legado artístico em Friburgo. Acervo João Angelo Martignoni

No ano de 1870, partindo do porto de Gênova, Elviro Ernesto Martignoni com 16 anos desembarcou com o pai e o tio no Rio de Janeiro, seguindo para Nova Friburgo. Bernardo Clemente Pinto Sobrinho, o Conde de Nova Friburgo, ao perceber a genialidade artística de Martignoni o contratou para pintar afrescos e quadros nas residências da família. Martignoni trabalhou no palacete Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, hoje Museu da República, executando pinturas no teto na sala de banquetes como “Diana, a caçadora”. Em Nova Friburgo, na chácara do chalet, hoje Country Club, Martignoni executou as pinturas “Apolo e sua carruagem”, “Cupido com a tocha” e “As estações”, além de outros trabalhos para a família Clemente Pinto. Na obra de reparo da catedral São João Batista realizada em 2014, descobriu-se pinturas de Martignoni por toda ela tendo o presbitério e duas capelas laterais sido restauradas. A Matriz de Cantagalo construída em 1876 tem painéis executados pelo artista italiano Antônio Maria Nardi, especializado em arte sacra, que fez muitos trabalhos em igrejas do Brasil.

Os Spinelli em passeio pela cidade. Acervo José A. Spinelli
Os Spinelli em passeio pela cidade. Acervo José A. Spinelli

Arthur Guimarães em “Um Inquérito sobre Nova Friburgo” escreveu em 1910 que no comércio ambulante os italianos levavam suas mercadorias em carrinhos, tabuleiros ou samburás onde “um vendedor italiano, idoso, carrega os balaios cantarolando com voz de barítono, sem ofender os ouvidos, vários trechos de óperas”. Eram conhecidos como alegres, emotivos, de sotaque cantante e como laboriosos lançando-se à faina da lavoura, carpintaria, comércio, indústria e das artes. A partir do último quartel do século 19 começaram a chegar em Nova Friburgo as famílias Spinelli, Cantelmo, Lívio, Bachini, Malinverno, Camponogara, Gambini, Bizzoto, Danieli, Giffoni, Falchetto, Fioravanti, Cozza, Tessarollo, Carestiato, Merecci, Pilotto, Bianchini, Lomônaco, De Lucca, Veronese, Guadagnini, Levorato, Pietrobon, Bonan, Carletto, Canella, Guariglia, Carpi, Speranzetta, Cescon, Nicola, Midori, Carusso, Massa, Olivetti, Balderrama, Dominico, Cognasca, Tilli, Botelli, Della Valle, Macri, Mangia, Tesone, Gravino, Vassallo, Bertoni, Miele, Villa, Vertulli, Amato, Bazetti, Bianchini, Maliverno, Perna, Sorrentino, Copellli, Crescenzi, Caputo, Mastrângelo, Bartolli, Balbi, Longo, Meceni, Cunta, Rastrelli, Baldo, Chiachio, Fabris, Mauro, Cariello, Imbroinisi, Mezavilla, De Paola, Colicigno, Moliari, Montechiari, Jannuzi, Mancini, Strut, Pimpão, Striotto, Giussi, Orlando, De Lucca, Novelli, Magliano, Marcucci, Tosoni, Conti, Coralli, Bonan, Dottino, Vanzilotta, Fiasca, Senna, Salomoni, Nicolielo, Petrilo, Buseli, Carnevale, Amêndola, La Rocca, Salerno, Sartori, Pati, Venerabile, Agrello, Lo Bianco, Moraschini, Vassalo, Loparo, Bazzeti, Venturini, Cozarini, Bevilacqua, Boareto, Malachini, Vitiello, Piacentini, Sabadini, Badini, Dalmasso, Latini, Povoleri, Capris, Matuglia, Bueno, Fionda, Vitta, Bini, Biscati, Girardi, Gitti, Rosatto, Rotay, Lomanto, Marotti, Grosso, Pissiali, Corso, Magaldi, Guaraldi, Dessanto, Cafferi, Fachetti, Rossie, Pecci, até onde consegui levantar usando como fonte o jornal O Friburguense.

Segunda geração de italianos em Friburgo. Acervo Casa de Itália
Segunda geração de italianos em Friburgo. Acervo Casa de Itália

No bairro das Duas Pedras se concentraram muitos imigrantes italianos fixando residência ou instalando os seus negócios. Eram eles os Spinelli, Cantelmo, Caputo, Mangia, Libonato, Quintieri, Pecci, Vitiello, Meceni, Saippa, Romaneli, Catarcione, Rastrelli, Libonato e Polo. Foi em razão da presença significativa da comunidade italiana neste bairro da periferia de Nova Friburgo, que o padre jesuíta italiano Vicente Prósperi edificou uma capela. Escolheu o coração de Maria, padroeira do Colégio Anchieta, assim como os santos São Pedro e São Paulo para dar nome à capela. Segundo a memória oral, escolheu os dois santos como uma representação das duas pedras alocadas na extremidade do morro que dá nome ao bairro.

Os italianos se estabeleceram em Duas Pedras. Acervo capela NSC Maria, São Pedro e São Paulo
Os italianos se estabeleceram em Duas Pedras. Acervo capela NSC Maria, São Pedro e São Paulo

A comunidade italiana se empenhou no levantamento de recursos e a capela foi inaugurada quatro anos depois do assentamento da pedra fundamental, no dia 7 de junho de 1914, não obstante a obra não ter sido totalmente concluída. A participação intensa da comunidade local foi uma característica marcante da paróquia de Nossa Senhora do Imaculado Coração de Maria, São Pedro e São Paulo. A festa dos santos taumaturgos era uma das mais concorridas na cidade. Apenas a Catedral de São João Batista e a Capela de Santo Antônio foram tombados pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural. Apesar de ter mais de cem anos, lamentavelmente a capela Imaculado Coração de Maria, São Pedro e São Paulo não consta na relação de tombamento como patrimônio histórico.

Capela para servir à comunidade italiana. Acervo capela NSC Maria, São Pedro e São Paulo
Capela para servir à comunidade italiana. Acervo capela NSC Maria, São Pedro e São Paulo

Como dito antes, a mobilidade social ascendente dos imigrantes que se estabeleceram nas cidades é inquestionável. Os núcleos urbanos, ainda que incipientes, ofereciam melhores condições de ascensão social do que o campo. Verificamos este fenômeno nos que imigraram para Nova Friburgo e que ascenderam economicamente nas atividades  industrial, construção civil, comercial e de prestação de serviços. Luiz Spinelli chegou ao Rio de Janeiro em 13 de janeiro de 1889. Após trabalhar para Elias Antônio de Moraes, o segundo Barão das Duas Barras, se estabeleceu em Nova Friburgo tornando-se com a ajuda de seus onze filhos, a família mais rica do município até meados do século vinte.

O patriarca dos Spinelli cercado por alguns filhos. Acervo José Augusto Spinelli
O patriarca dos Spinelli cercado por alguns filhos. Acervo José Augusto Spinelli

Luiz Spinelli trabalhou inicialmente em serviços de aluguel de carruagens, limpeza pública e na construção civil. Seu primeiro estabelecimento comercial foi uma padaria e a partir de então, os negócios da família Spinelli diversificaram. Eram proprietários de uma imensa loja de departamentos vendendo automóveis, material de construção, eletrodomésticos e tudo que a modernidade oferecia como os primeiros aparelhos de televisão, rádio e geladeira. Dizia-se à época que se alguém fosse casar-se, os Spinelli forneciam tudo. Construíam a casa, fabricavam os móveis e vendiam todos os eletrodomésticos. Também tinham negócios na agropecuária com propriedades rurais em Nova Friburgo e em outros municípios. Produziram o vinho Granjinelli na Granja Spinelli. Na década de 1950 prestaram serviço de transporte coletivo e curiosamente aéreo, transportando passageiros de Nova Friburgo ao Rio de Janeiro em um avião monomotor.

Campo de aviação do monomotor. Acervo José Augusto Spinelli
Campo de aviação do monomotor. Acervo José Augusto Spinelli

Tudo indica que o mais belo e suntuoso palacete no centro de Nova Friburgo pertencia a Giovani Giffoni. Além de alfaiate era proprietário do estabelecimento comercial Vesuvio, um armazém de secos e molhados, do Café Colombo, de um bilhar, além de ser importador e representante de vinhos italianos. Possuía ainda uma fazenda de café e residia no elegante palacete onde hoje está o edifício Itália.

Palacete onde funcionava a Casa de Itália. Imagem internet
Palacete onde funcionava a Casa de Itália. Imagem internet

Mas antes de ser demolido foi a sede da Casa de Itália, possivelmente vendido por Giffoni aos seus compatriotas. Em 1892, Giffoni obteve a concessão do serviço de iluminação pública a gás, remoção do lixo e limpeza da cidade. No ano seguinte chegou a requerer a concessão para fornecer iluminação pública e particular por meio de luz elétrica. Outro destaque é para os irmãos Bizzotto, naturais de Pádua, que vieram em 1884 para o Brasil. Em Nova Friburgo fabricavam fogões, marquises, portas de aço, caixa d’água, portões, gradis, esquadrias, carroças e móveis. Já o italiano Raspatini chegou a patentear um tipo de cimento para a construção civil.

Loja de departamento dos Spinelli. Acervo José Augusto Spinelli
Loja de departamento dos Spinelli. Acervo José Augusto Spinelli

No colégio Anchieta, desde a sua fundação em 1886, quase todos os padres professores eram italianos tendo como timoneiro o padre reitor Lourenço Rossi. O grande número de italianos ensejou a fundação de associações de mútuo socorro como a Società di Mutuo Soccorso e Príncipe de Napoli. Em 01 de fevereiro das 1914, as duas associações se fundem originando o Circolo Italiani Uniti, mais conhecido como Casa de Itália.

A maioria dos padres do Anchieta eram italianos. Acervo Colégio Anchieta
A maioria dos padres do Anchieta eram italianos. Acervo Colégio Anchieta

Havia igualmente a Sociedade Cultural Dante Alighieri, uma espécie de filial da existente no Rio de Janeiro, mas que encerrou suas atividades em Nova Friburgo após a Segunda Guerra Mundial. No campo da sociabilidade introduziram o jogo de bocha na cidade formando diversos clubes e organizando campeonatos. Participavam das sociedades musicais a exemplo de Fioravanti Andre Martignoni na Campesina. No futebol a falange italiana fundou o Fluminense Atlético Clube.

Fioravanti Andre Martignoni, de cavanhaque, sentado. Acervo Campesina, 1873.
Fioravanti Andre Martignoni, de cavanhaque, sentado. Acervo Campesina, 1873.

Em Nova Friburgo os italianos criaram o partido Fascista, assim como os alemães o Nazista, conforme o jornal O Friburguense de 20 de abril de 1935. Receberam do governo Mussolini diversas remessas de dinheiro por intermédio da Sociedade Cultural Dante Alighieri, para a manutenção desta atividade política em Nova Friburgo. O livro de ata da formação e reuniões do partido foi destruído após a Segunda Guerra Mundial temendo-se extradições, me informou o ex-presidente da Casa de Itália Ronaldo Vanzillota. Em razão de terem transformado a Casa de Itália em sede do partido Fascista, o belíssimo palacete foi desapropriado pelo governo Getúlio Vargas e transformado em delegacia de polícia. Conseguiram retomar o palacete onde hoje está o edifício Itália.

Tudo indica que a retomada do palacete foi graças ao prefeito interventor Dante Laginestra, que governou no período de 1935 a 1946, muito próximo do genro de Getúlio Vargas, Amaral Peixoto, favorecendo a expressiva e bem articulada comunidade italiana. Os alemães não tiveram a mesma sorte e a sede do partido Nazista, na rua Augusto Spinelli, não foi retomada pela comunidade. Pertence até hoje ao governo federal(INSS) e o imóvel tombado como patrimônio histórico encontrando-se totalmente abandonado e prestes a ruir.

Padaria e carruagens dos Spinelli. Acervo José Augusto Spinelli
Padaria e carruagens dos Spinelli. Acervo José Augusto Spinelli

A memorialista Yolanda Cavalieri d´Oro, descendente de imigrantes italianos domiciliados em Nova Friburgo nos deixou um delicioso registro. Segundo ela, os italianos gostavam de beber chianti e jogar bocha. Recorda-se do delicioso almoço de ovo frito com polenta e mortadela feito no fogão à lenha, bem como das palestras sobre Dante Alighieri e Leonardo da Vinci na Casa de Itália. Nos bailes do Club Dopo Lavoro “numa parte do salão, a moçada sambava e fazia cordões, enquanto no outro, a italianada velha dançava alegremente a tarantela.”


Janaína Botelho – Serra News

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