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Teatro do Colégio Anchieta: a grande arte dos Jesuítas

Em 12 de abril de 1886, o Colégio Anchieta se instala em Nova Friburgo, município da região serrana fluminense, recebendo os seus primeiros sete alunos. Inicialmente foi alugada a casa-grande da antiga fazenda do Morro Queimado, que os colonos suíços apelidaram de château. Do colégio uma ampla vista da vila se descortinava com as montanhas ao fundo muitas vezes envoltas em negrejantes nuvens. Mais além uma série de montes enfuscados, cinzentos, entre os quais se avistavam várzeas e matas. Aos pés da encosta, ainda não retificado, o Rio Bengala se enroscava à semelhança de uma ardilosa serpente. Desta posição privilegiada observava-se toda a movimentação na vila.

Do Anchieta observava-se a movimentação na vila. Acervo Colégio Anchieta
Do Anchieta observava-se a movimentação na vila. Acervo Colégio Anchieta

Com o passar do tempo, como o número de alunos aumentasse a cada ano, os jesuítas decidiram comprar a propriedade até então alugada lançando em 1° de janeiro de 1902, a primeira pedra do grandioso prédio em estilo neoclássico. A partir da construção, sob a responsabilidade do espanhol Francisco Vidal Gomes, a ocupação do novo prédio foi gradativa, na medida em que a obra avançava, utilizando-se simultaneamente as instalações do velho château. O desmoronamento do château ocorreu efetivamente em 1905, quando o novo prédio estava praticamente concluído. O teatro foi finalizado no ano seguinte.

Parte externa do teatro do Colégio Anchieta. Acervo fotógrafo Pedro Bessa
Parte externa do teatro do Colégio Anchieta. Acervo fotógrafo Pedro Bessa

O que hoje chamamos de teatro era no passado denominado de salão nobre ou salão de atos. Era neste espaço que ocorriam variados eventos do Colégio Anchieta a exemplo do encerramento das festas dos santos, distribuição de prêmios por desempenho escolar e comportamento nos postos de honra, formatura dos bacharéis em ciências e letras, um espetáculo para um convidado e hóspede do colégio ou para festejar o aniversário do padre reitor. Estas solenidades contavam com a assistência de familiares dos alunos e de autoridades civis e militares.

Salão nobre ou salão de atos do Colégio Anchieta. Acervo fotógrafo Pedro Bessa
Salão nobre ou salão de atos do Colégio Anchieta. Acervo fotógrafo Pedro Bessa

O trabalho de pintura do salão nobre foi obra do artista italiano Arnaldo Mecozzi, tendo como colaboradores Pietro Panbianco, Romolo Borzi e A. Latini, este último professor de desenho do colégio. Ladeando o palco o trabalho artístico destaca Orpheu e Homero com caracteres gregos ornados com folhas de carvalho. Orfeu é um belo mancebo grego sentado num ramo de árvore, arrebatado suavemente, e encantando com os sons da lira um leão e um tigre. Homero é o cantor legendário das batalhas e glórias dos Helenos, dos feitos de Aquiles em cujo brilhante escudo, derribado aos seus pés, firma o bastão. Em quatro cartões sobre um fundo dourado destacam-se os nomes de Carlos Gomes personificando a música, Gonçalves Dias a poesia, José de Alencar a literatura e Antônio Vieira a oratória. Além destas pinturas outras foram se realizando incluindo as imagens de Dante Alighieri, Luiz de Camões, Calderón de La Barca, Willian Shakespeare, Virgilius Maro, P. Corneille e J. Schiller. O pano-de-boca do palco é obra do padre Prosperi que representa o padre Anchieta em sua última visita ao Rio de Janeiro, em 1594, quando assistiu à construção da fortaleza de Santa Cruz.

Pano-de-boca do teatro, obra do padre Prosperi. Acervo pessoal
Pano-de-boca do teatro, obra do padre Prosperi. Acervo pessoal

Ocorriam no salão nobre inúmeros entretenimentos dramático-musicais com a representação de dramas, comédias, entremez(chistoso entremez), entreatos, commedia dell’arte, zarzuelas, monólogos, tercetos e farsas. Esta última era representada bem amiúde com chistosas farsas da troupe colegial. Estas representações eram denominadas de dramático-musicais por serem acompanhadas pela banda e pela orquestra do colégio, quer seja durante o ato, quer nos intervalos ou no encerramento. Nabuco, de Verdi, foi executado pela banda antecedendo a comédia Foi buscar lã e voltou tosquiado, uma verdadeira fábrica de gargalhadas. Na sessão dramático-musical do drama histórico em três atos, São Hermenegildo, Mártir, a orquestra tocou Rigoletto, de Verdi e a banda O Guarany, de Carlos Gomes, além de outras peças musicais.

Entretenimento dramático-musical no salão nobre. Acervo Colégio Anchieta
Entretenimento dramático-musical no salão nobre. Acervo Colégio Anchieta

Tiveram lugar como entretenimentos dramático-musicais as comédias de Molière O médico à força e As aventuras de Gaudencio, traduzidas do francês. Extraída do quarto ato da tragédia King John e Ricardo III, de Shakespeare, foi representada pelos alunos em inglês assim como Voyage de Monsieur Perrichon foi desempenhado pelos alunos em francês. O autor de um artigo no periódico interno Aurora Colegial escreveu que “a todos agradaram pela dicção clara e correta com que os alunos patentearam seus conhecimentos das línguas de Shakespeare e da de Molière”. Na peça Poliglota, de autoria do padre Arthur Strutt, professor de música, ocorreram diálogos em francês, inglês e italiano. Aprendiam inglês e francês no colégio, mas me parece ser o italiano opcional. A representação de peças estrangeiras no idioma original era uma boa forma de estimular e aprimorar o aprendizado e demonstrar conhecimentos linguísticos.

Alunos em cena teatral, 1919. Acervo Colégio Anchieta
Alunos em cena teatral, 1919. Acervo Colégio Anchieta

As representações teatrais eram traduzidas, dirigidas e produzidas pelos padres jesuítas, denominado de “ensaiador”. O próprio Reitor Padre Madureira foi o ensaiador de uma comédia. Faziam também o “ponto” escondidos sob a azulada cúpula do abafador do ponto. Os alunos eram divididos no colégio em três divisões, pequenos, médios e maiores. Os grupos teatrais eram de um modo geral formados por estas divisões, mas algumas vezes misturavam-se os médios com os grandes em determinada peça teatral. No caso dos pequerruchos, os alunos das outras divisões necessariamente dividiam o palco com eles para auxiliá-los. O teatro era iluminado desde a sua construção por “focos elétricos”, quando na ocasião a maioria da população friburguense ainda não tinha luz elétrica em suas residências.

As representações produzidas pelos jesuítas, 1914. Acervo Colégio Anchieta
As representações produzidas pelos jesuítas, 1914. Acervo Colégio Anchieta

Como dito antes, as representações eram acompanhadas de apresentações musicais. Um dos programas para celebrar determinado evento foi iniciado com marchas e outros gêneros musicais apresentados pela banda colegial, que tocava geralmente marchas militares, polcas, gavotas, valsas e peças de concerto para salão. Seguiram-se apresentações musicais individuais dos alunos. Ato contínuo a farsa francesa Voyage de Monsieur Perrichon seguida da apresentação de uma tarantela para piano e um solo de violino e piano. Retorna com a representação da farsa Paganini Redivivus, seguida de peças musicais. Em outra sessão dramático-musical a banda tocou Fanfare des Dragons e a orquestra Ave Verum de Mozart. A seguir foi representada a peça Os órfãos de Montforte. Terminada a encenação entra a orquestra tocando Tosca, de Pucini. Seguem-se dois solos apresentados pelos alunos e a banda fecha a sessão. Os maestros eram os padres professores de música do colégio, quase todos italianos. Estes padres igualmente faziam exibições musicais nos eventos no salão nobre.

Representação de Colombo Menino no salão de atos. Acervo Colégio Anchieta
Representação de Colombo Menino no salão de atos. Acervo Colégio Anchieta

Na representação Colombo Menino, do italiano F. B. Polleri, melodrama de um ato para meninos, a preparação e direção foi do padre Hygino Mancini, professor de piano e de canto do colégio. Iniciou com a apresentação da orquestra seguida de coro, dueto, aria (solo), entremeio musical, quatro vozes e recitativo. O periódico Aurora Colegial, como dito antes, produzido pelos alunos, apresentava críticas teatrais, geralmente elogiosas às participações: “…entra em cena um jovem com ares de casquilho todo espenicado nos últimos requintes da moda. Vestia uma elegante sobrecasaca dernier modèle, calçava luvas de pelica: toda a farpela enfim era um mimo, um primor! O nosso jovem todo catita, de flor na lapela, teso e empertigado, tufando os peitos, torcendo os braços, parecia o beijinho dos janotas e peralvilhos das nossas capitais. Saiu-se dos bastidores esgarabulhando com mil trejeitos.(…) Num esgar cômico, o nosso peralta saca das algibeiras um cigarrinho, e com momices acende o perfumado combustível…” (Aurora Colegial, 20 de agosto de 1911)

Banda de Música dos alunos, ano de 1916. Acervo Colégio Anchieta
Banda de Música dos alunos, ano de 1916. Acervo Colégio Anchieta

No salão nobre ocorria também a exibição de fitas cinematográficas e “Já se fazia sentir a falta de um cinemasinho que viesse quebrar a monotonia de nossa vida colegial”, escreveu um aluno. A azafama de estudos era interrompida por seções cinematográficas e “todos sabem de sobejo que o Revmo. Padre Reitor não poupa sacrifícios para suavizar os nossos trabalhos”, escreveu outro aluno. Chegavam a assistir entre 9 a 13 fitas nas sessões cinematográficas, a exemplo da comédia Um dia de exame na Escola, do drama A casa das janelas fechadas e do documentário Exéquias de Joaquim Nabuco. Alguns filmes eram divididos em diversas partes a exemplo de O roubo de um milhão, drama policial em 6 partes. Poderia ser representada no dia da sessão cinematográfica uma farsa, um pequeno quadro cômico enquanto se trocava o rolo do filme.

Apresentação musical na peça teatral, 1938. Acervo Colégio Anchieta
Apresentação musical na peça teatral, 1938. Acervo Colégio Anchieta

A sessão era denominada de cine-musical porque na mostra dos filmes se apresentavam a banda, a orquestra colegial e a orquestra dos professores. Isto se deve ao fato de que o cinema na época ainda era mudo e a orquestra dos professores se apresentava durante a exibição dos filmes. “Houve animada sessão cinematográfica, executando a orquestra colegial nos intervalos e a dos professores durante a passagem das fitas variadas e belíssimas peças musicais”, escreveu um aluno em Aurora Colegial. Os intervalos a que se refere este aluno era possivelmente para a troca dos rolos do filme. Escreveu outro aluno no periódico interno que “As fitas em número de 11 estiveram esplêndidas e fizeram pendant as lindas peças musicais executadas quer pela orquestra, quer pela banda.”Após o “passeio militar” de 07 de setembro de 1910, os alunos durante três horas assistiram no teatro D. Eugênia as fitas Calino também vai ao teatro, a única que mereceu ser “bisada”, Sonho de Policial e outros films da Casa Phaté.

Detalhe para o criativo cenário. Ano de 1922.  Acervo Colégio Anchieta
Detalhe para o criativo cenário. Ano de 1922.  Acervo Colégio Anchieta

No salão nobre a música era indispensável tanto na representação teatral como na sessão cinematográfica. É impressionante o aprendizado dos alunos em variados instrumentos musicais como piano, violino, viola, violoncelo, flauta, flautim, oboé, clarinete, saxofone, fagote, trompa, sax, pistom, trombone, timbale, bateria, baixo, contrabaixo, clarão, pandeiro basco, sistro, xilofone e castanholas. A “grande orquestra” era composta de 52 arcos com 45 violinos, 3 violetas e 3 violoncelos, acrescido de contrabaixo, flauta, clarinete, fagote e piano. Já a “pequena orquestra” era composta de 12 violinos, 3 violetas, 3 violoncelos, contrabaixo, flauta, clarinete, pistom, trombone, timbales, pandeiro basco, sistro, entre outros instrumentos. Exibiam gêneros musicais que variavam desde as composições clássicas de Mozart e Mendelssohn até mazurca e tarantela. O salão nobre encontra-se até hoje muito bem preservado, inclusive o raríssimo “pano de boca”, um espaço social do Colégio Anchieta no qual por mais de cem anos passaram inúmeras gerações de alunos representando peças teatrais.

Diversas gerações passaram pelo teatro do Anchieta, 1936. Acervo Colégio Anchieta
Diversas gerações passaram pelo teatro do Anchieta, 1936. Acervo Colégio Anchieta

Fonte: Periódico Aurora Colegial


Janaína Botelho – Serra News

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