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Pantera Negra, o rei do boxe em Nova Friburgo

Felisberto Faustino Junior, nascido em 1907 no município de Bom Jardim tinha 5 anos de idade quando veio com a família para Nova Friburgo. Foi residir no morro Santa Terezinha próximo a uma pedreira de propriedade de Vitório Spinelli onde o seu pai se empregara. Felisberto Faustino começou a trabalhar jovem nesta pedreira no mesmo ofício de seu pai. Na Primeira República era muito comum uma criança começar a trabalhar aos 10 anos e provavelmente foi com esta idade que Felisberto Faustino iniciou a sua labuta diária na pedreira. No decorrer dos anos em razão de sua atividade de carregar pedras e consequentemente muito peso foi adquirindo uma forte musculatura, um físico bem diferenciado dos rapazes de sua idade. Foi então que começou a ser estimulado a lutar boxe pelos seus amigos. Um saco de café preenchido com terra era algo bem acessível para dar início aos treinamentos. Os amigos acompanhando os seus treinos começaram a chamá-lo de Pantera Negra. Esta informação me foi dada pelo seu filho Guaraci Lourenço Faustino.

Felisberto Faustino Junior, o Pantera Negra. Acervo Guaraci Lourenço Faustino
Felisberto Faustino Junior, o Pantera Negra. Acervo Guaraci Lourenço Faustino

Em Nova Friburgo já havia pugilistas como Cláudio Novelli, de muito talento e contemporâneo de Pantera Negra. Inicialmente não havia instrutor e Guaraci Faustino declara que o seu pai praticava “boxe sem mestre”. Quem ajudou muito Pantera Negra foi José Câmara Barreto, advogado e jornalista carioca que se estabelecera em Nova Friburgo. Era um apaixonado pelo boxe e percebeu em Pantera Negra um grande talento. Câmara Barreto era uma espécie de embaixador do esporte em Nova Friburgo pois incentivava outras modalidades esportivas. Depois da pedreira Pantera Negra passou a trabalhar como ferreiro e fazia bicos como massagista nos clubes de futebol do Serrano, Esperança e também da seleção de futebol de Nova Friburgo. Chegou a ingressar no Partido Comunista da cidade. Em um dos jornais verifiquei que pesava entre 70 e 74 kg, considerado na categoria de “meio pesados”, ou seja, peso médio.

À direita, Pantera Negra. Acervo Biblioteca Nacional
À direita, Pantera Negra. Acervo Biblioteca Nacional

De acordo com Victor Andrade de Melo em “História do Esporte no Brasil”, com a ascensão de Getúlio Vargas a presidência do país, após o movimento revolucionário que eclodiu em 3 de outubro de 1930, o esporte passou a ter relevância. A regulamentação ocorreu em 1941 e um decreto-lei institui o Conselho Nacional de Desportos criando as confederações de futebol, basquetebol, vela e motor, esgrima, xadrez e de pugilismo. As primeiras lutas de boxe aconteceram no final do século 19 no stadium Brasil, no Rio de Janeiro, em ringues de patinação e nos circos. Eram, na realidade, desafios individuais, com regras definidas a cada encontro, do que algo estruturado nos moldes do campo esportivo, o que somente vai ocorrer a partir de 1925. O desenvolvimento do boxe foi tardio em relação às demais modalidades esportivas.

Pantera Negra, o formidável negro de Friburgo, jornal A Nação. Acervo BN
Pantera Negra, o formidável negro de Friburgo, jornal A Nação. Acervo BN

Pantera Negra começou lutando no circo, em salões como em um hotel na Praça Marcílio Dias, de dois pavimentos, todo de madeira e numa arena em um prédio na Praça Getúlio Vargas. Ocorriam igualmente pelejas nos campos de futebol, assim chamadas as lutas de amadores naquela época e pelejadores os combatentes. Ocorreram muitas pelejas no teatro Dona Eugênia, localizado na Rua Augusto Spinelli, que possuía dois pavimentos e uma lotação para 600 pessoas. As companhias de óperas italianas e de zarzuelas que se apresentaram neste teatro no final do século 19 dão lugar a fight do boxe. Na imprensa o vocabulário do pugilismo era todo em inglês como knock-out, certamen, ring, boxeurs, gong, punch, match, rounds e catchers. No ano de 1931 Pantera Negra lutou no teatro Dona Eugênia com Peitão, o campeão da Armada(Marinha) vencendo a peleja. O Jornal dos Sports de 21 de maio de 1931 relata duas vitórias do pugilista.

Teatro Dona Eugênia, onde ocorriam as pelejas de boxe. Acervo pessoal
Teatro Dona Eugênia, onde ocorriam as pelejas de boxe. Acervo pessoal

De acordo com o Jornal dos Sports de 26 de novembro de 1933, Pantera Negra foi campeão invicto nos anos de 1931,1932 e 1933. Abriu caminho em Nova Friburgo para Geraldino dos Santos, lenhador no Sanatório Naval, para o peso médio Manelzinho Barbosa e o peso galo Zé Café. Foi levado pelo tenente Renato Arnaldo da Silveira Lopes para lutar no Rio de Janeiro nas instalações do Exército. No jornal O Paiz de 26 de novembro de 1933 há um artigo que descreve “Pantera Negra tem a popularidade de um profissional que tivesse feito muitos bons combates. E de fato, mesmo na condição de amador, ostenta um record brilhantíssimo. É um boxeador que possui boas qualidades. Malícia, rapidez, intuição dos momentos oportunos. Ademais, pega forte, abalando com o seu punch destruidor a mais sólida resistência. Derrubou Waldemar Moraes e essa vitória é tanto mais agressiva quando se sabe que até então, Waldemar nunca experimentara um knock-out.”  Era descrito pela imprensa como um boxer valente e dotado de uma resistência excepcional.

Plateia possivelmente no teatro Dona Eugênia. Acervo Guaraci Lourenço Faustino
Plateia possivelmente no teatro Dona Eugênia. Acervo Guaraci Lourenço Faustino

O articulista do Diário Carioca de 25 de maio de 1932 escreveu: “Tomou novamente a atenção dos friburguenses o sport do murro. É que ultimamente vem sendo realizados alguns combates interessantes que têm despertado o entusiasmo antigo dos residentes da linda cidade serrana…” Nesta ocasião Pantera Negra lutara no teatro D. Eugênia com Kid Barraca sendo vencedor por “K.O.,no quarto round”. Na encantadora cidade dos cravos o boxista Geraldino dos Santos pediu a “revanche” de José Assobrab e o campeão nacional do peso leve estava disposto a pelejar em Friburgo. Era prometida uma excelente temporada pugilística para os friburguenses. O jornal A Nação de 27 de julho de 1935 estampou na manchete “Pantera Negra, o formidável negro de Friburgo”. “…A empresa[Estádio Brasil] que não quer privar o público de bons espetáculos resolveu mandar buscar em Friburgo o formidável Pantera Negra, aquele pretinho que assombrou a plateia do Rio por ocasião do sul-americano com uma fulminante vitória sobre o Carvoeiro, virá de Friburgo especialmente para enfrentar o Mário Pujol, o boxeador que está se tornando o terror dos pesos médios do Rio. Ambos podem fazer uma batalha sensacional pois Pantera Negra é o melhor substituto que a empresa poderia encontrar…”

Catch as catch can, lutas greco-romana que ocorriam antes da luta de box. Acervo internet
Catch as catch can, lutas greco-romana que ocorriam antes da luta de box. Acervo internet

Partiam da capital federal caravanas para Nova Friburgo que chegavam a 50 pessoas para assistirem as pelejas organizadas pelo veterano Rodrigues Alves, aproveitando o ensejo para visitar a salubérrima Suíça brasileira, destaca o articulista. Antes do boxe ocorriam as preliminares com lutas greco-romana que o jornal anunciava como catch as catch can. Existe ainda o registro de que atletas da “polícia especial” tomariam parte no meeting no campo do Friburgo Futebol Clube com números de cultura física e acrobacias. O jornal Imparcial de 21 de março de 1937 destacou que Virgulino “trocaria luvas” com Pantera Negra em Friburgo. Neste evento ocorreriam três lutas antes, uma de catch as catch can e o match final seria a luta revanche entre o campeão brasileiro Virgulino e o campeão de Nova Friburgo. Pantera Negra participava de muitas pelejas gratuitamente para angariar dinheiro para as sociedades musicais Euterpe e Campesina e para o clube de futebol Serrano.

Pantera Negra era descrito como um boxer valente e dotado de uma resistência excepcional. Acervo BN
Pantera Negra era descrito como um boxer valente e dotado de uma resistência excepcional. Acervo BN

Em março de 1935 Pantera Negra envia uma carta ao Jornal dos Sports manifestando a sua vontade de lutar no Rio de Janeiro. Isto poderia significar que não era mais visto como um boxeador com boa performance, mas no jornal Ring do mesmo ano há o registro de que se conservava invicto em um campeonato, não obstante ter enfrentado até pesos pesados. O pugilista foi homenageado pelo governador de São Paulo, Ademar de Barros. Continuava trabalhando como ferreiro mesmo tendo conseguido ganhar um bom dinheiro em algumas lutas, nos informa seu filho Guaraci Faustino. Em 1938 foi morar no bairro de Olaria em imóvel próprio. Segundo seu filho parou de lutar na década de 1940 abandonando o quadrilátero das cordas. Tudo indica que apesar de ser um campeão não ganhou muito dinheiro com o boxe, assim como os demais boxers de sua época, pois era um esporte ainda visto com muita parcimônia pelas elites.

Uma charge na revista Fon Fon de 1909 ironiza o novo esporte. Acervo BN
Uma charge na revista Fon Fon de 1909 ironiza o novo esporte. Acervo BN

Conforme Victor Andrade de Melo, algumas modalidades, por mais que tentassem se ajustar à nova dinâmica sociocultural e às novas representações de esporte, permaneceriam suspeitas, ainda que nunca tenham sido efetivamente proibidas. Esse é o caso da luta romana e do boxe, modalidades que até os dias de hoje são olhadas com desconfiança, mesmo que continuem a gozar de popularidade. Uma charge publicada na revista Fon Fon de 1909 mostra um atleta com um corpo desproporcional, intitulada ironicamente de esporte da moda.

Pantera Negra em alguma homenagem. Acervo Guaraci Lourenço Faustino
Pantera Negra em alguma homenagem. Acervo Guaraci Lourenço Faustino

Segundo Melo mesmo que pairassem dúvidas, por razões médicas e morais, sobre a adequação do excesso de exercício e de hipertrofia muscular, esses eventos de exibição eram muito apreciados entre a população estabelecendo-se uma clara tensão entre as preocupações oficiais e aquilo que popularmente era valorizado. Pantera Negra faleceu em 1972, com 64 anos de idade. Guaraci Faustino seguiu a carreira do pai ficando conhecido como pantera filho. No entanto não se destacou como o pai no pugilismo. Em razão da popularidade e do carinho que conquistou entre os friburguenses, Pantera Negra é nome de logradouro público em Nova Friburgo, Rua Felisberto Faustino Junior, em Olaria, bairro onde viveu a maior parte de sua vida.


Janaína Botelho – Serra News

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