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A Fazenda São Clemente e o pomar-parque de Auguste Glaziou

Originária de Portugal, da Freguesia de Ovelha do Marão, Santa Maria de Aboadela, a família Clemente Pinto tem como patriarca João Clemente Pinto (1723-1796). Entre os seus sete filhos, seu homônimo, João Clemente Pinto (1752-1819), emigra para o Brasil em data ainda desconhecida e se estabelece em 1803, na capitania de Minas Gerais. Exerce a função de alferes da Companhia de Ordenança do distrito da Capela de São Roque de Canastra, termo da Vila de São Bento de Tamanduá, hoje município de Itapecerica. A exploração do ouro de aluvião nos córregos dos rios Grande e Negro no Vale do Paraíba fluminense, possivelmente foi o que motivou o alferes a se estabelecer nos sertões do Macacu, na capitania fluminense. João Clemente Pinto, casado com Teresa Joaquina da Silva Pinto obtém no ano de 1809, naqueles sertões, uma concessão de terras denominada de sesmaria doadas pelo vice-rei a homens de cabedais.

Esta sesmaria estava localizada nas cabeceiras de um ribeirão no qual João Clemente Pinto batiza de Ribeirão de Nossa Senhora das Areas. A obtenção da Carta de Ordem de Sesmaria se concretiza em 11 de maio de 1812 e dois anos depois, os sertões do Macacu recebe o predicado de município de São Pedro de Cantagalo. Outros membros da família Clemente Pinto igualmente emigram para o Brasil. Tudo indica que o sobrinho de João Clemente, Antônio Clemente Pinto, futuro 1º Barão com honras de grandeza de Nova Friburgo chega ao Brasil no ano de 1807, com doze anos de idade. Em 1819, João Clemente Pinto falece, sete anos depois de ter obtido a concessão de sesmaria. O filho do casal, Francisco Clemente Pinto(1803-1872), igualmente alferes, solicita uma sesmaria nessa região em 1822, ano em que essa modalidade de aquisição de terras é extinta no país. Os Clemente Pinto, entre 1809 e 1822 já são proprietários de três sesmarias, pois Dona Teresa Joaquina da Silva Pinto havia igualmente solicitado esse benefício na mesma ocasião que o marido.

Casa palacete em estilo eclético com elementos neoclássicos. Acervo pessoal
Casa palacete em estilo eclético com elementos neoclássicos. (Acervo pessoal)

Os sesmeiros desta região depois de esgotado o ouro de aluvião migram sua atividade econômica para a produção de alimentos como milho, feijão, cana-de-açúcar, fabricação de toucinho e criação de gado. Exportam os produtos de sua lavoura para o Rio de Janeiro, por meio de tropas de mulas. Paulatinamente, o café migra dos arredores do Rio de Janeiro para o Vale do Paraíba fluminense e as fazendas de Cantagalo se tornam importantes unidades de produção contribuindo com significativa parcela na exportação para o exterior. Francisco Clemente Pinto torna-se um rico cafeicultor e proprietário de dez fazendas. Além da fazenda São Clemente era proprietário de Matta Porcos e Bella Vista, para citar apenas as mais importantes. Francisco Clemente Pinto recebe o título de Comendador da Imperial Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo e Oficial da Imperial Ordem da Rosa. Com o falecimento do comendador, a Fazenda São Clemente é herdada pelo seu sobrinho homônimo.

Fazenda São Clemente. Acervo Marcello Monnerat
Fazenda São Clemente. (Acervo Marcello Monnerat)

Francisco Clemente Pinto nasceu em 11 de setembro de 1843 e faz os seus estudos de engenharia na Bélgica. Casa-se com Eulália Amélia de Oliveira Barcelos, que passa a chamar-se Eulália Clemente Pinto, com quem teve nove filhos. A Fazenda São Clemente, localizada em Boa Sorte, 5º distrito do município de Cantagalo tinha em seu apogeu uma área de 700 alqueires. No ano de 1883, há o registro de que possuía 750.000 pés de café e a força de trabalho de 177 escravos. Era uma das mais importantes unidades de produção de café do município de Cantagalo. Foi visitada pelo Barão Johann Jakob Von Tschudi, pelo Imperador D. Pedro II, em 26 de fevereiro de 1876 e pelo Dr. Luiz Monteiro Caminhoá.

Fazenda São Clemente. Uma joia do Império em Cantagalo
Fazenda São Clemente, uma joia do Império em Cantagalo.

No último quartel do século 19 tem início a decadência da produção de café no Vale do Paraíba fluminense. Alguns fatores concorreram para esse declínio como o esgotamento do solo, o surgimento de pragas nas lavouras, a abolição da escravidão e a crise do Encilhamento na República. Consequentemente alguns barões do café, ou seus descendentes, foram perdendo suas fazendas por dívida, em leilões. A Fazenda São Clemente supera essa crise produzindo café de boa qualidade, participando da Exposição Universal Colombiana de Chicago, realizada em 1893, tendo sido inclusive premiada. A Exposição de Chicago havia sido idealizada para celebrar o quatrocentésimo aniversário da descoberta da América por Cristóvão Colombo. Entretanto, no ano de 1907, o engenheiro Francisco Clemente Pinto se vê obrigado a recorrer a um empréstimo hipotecário, junto ao Banque Belge de Prêts Fonciers, com sucursal na cidade do Rio de Janeiro. Como não conseguisse honrar com o pagamento do financiamento perde a fazenda para o banco, arrematada pelo Coronel José Affonso Fontainha Sobrinho. Francisco Clemente Pinto falece em 1921.

Ambiente interno da Fazenda São Clemente. Acervo Marcello Monnerat
Ambiente interno da Fazenda São Clemente. (Acervo Marcello Monnerat)

Antônio Clemente Pinto, filho homônimo do 1º Barão de Nova Friburgo escolheu como título nobiliárquico o nome da fazenda do avô materno, o alferes João Clemente Pinto e onde nascera sua mãe Laura Clementina da Silva Pinto, a futura 1ª Baronesa de Nova Friburgo. Por conseguinte, Antônio Clemente Pinto torna-se Barão de São Clemente em 03 de junho de 1863, Visconde de São Clemente em 1882 e Conde de São Clemente no ano de 1888. Daí o nome Parque São Clemente, em Nova Friburgo, outrora propriedade dessa família. Dando continuidade à sucessão da Fazenda São Clemente, a propriedade passa dos Fontainha ao clã dos Monnerat. O patriarca desta família é o colono suíço François Xavier Monnerat, casado com Elizabeth Koller com quem teve sete filhos. No ano de 1837, apenas dezessete anos após a sua chegada à Vila de Nova Friburgo, há o registro dos Monnerat adquirindo terras em Cantagalo, a Fazenda Rancharia do Norte, uma propriedade de 400 alqueires.

Escritura de permuta da fazenda São Clemente pela Paraíso. Acervo Marcello Monnerat
Escritura de permuta da fazenda São Clemente pela Paraíso. (Acervo Marcello Monnerat)

Em 6 de julho 1920, o Coronel João Henrique Monnerat, casado com Maria da Veiga Monnerat adquire a Fazenda São Clemente do Coronel José Affonso Fontainha Sobrinho, por meio de permuta com a Fazenda Paraíso, localizada no município de Sapucaia. Foi para essa mesma região que o colono suíço Anton Ignaz Leimgruber se estabeleceu como lavrador, se dedicando ao cultivo de café na Fazenda Santo Antônio de Sapucaia. Essa localidade foi freguesia de Nova Friburgo até o ano de 1847, quando então é incorporada ao município de Magé. Após o falecimento de Maria da Veiga Monnerat, em 1924, a Fazenda São Clemente fica em condomínio entre o viúvo meeiro e os filhos herdeiros.

Cel João Henrique Monnerat e família. Acervo Marcello Monnerat
Cel João Henrique Monnerat e família. (Acervo Marcello Monnerat)

Com o decorrer dos anos, a São Clemente teve como únicos proprietários Carlos Catulino Monnerat e sua esposa Adelaide da Silva Monnerat. Com o falecimento de ambos, o filho do casal Carlos Lincoln Monnerat e seus irmãos adquirem no ano de 1986, por sucessão hereditária, a Fazenda São Clemente. Finalmente, em 4 de abril de 1990, Marcello Cardoso Monnerat, atual proprietário recebe de seus pais Carlos Lincoln Monnerat e Maria José Cardoso Monnerat, por meio de doação, o respectivo quinhão de sua herança. Marcello Monnerat, bisneto do Coronel João Henrique Monnerat compra dos demais herdeiros as partes que estavam em condomínio.

O casal Carlos Catulino e Adelaide ao centro. Acervo Marcello Monnerat
O casal Carlos Catulino e Adelaide ao centro. (Acervo Marcello Monnerat)

Posteriormente, foram reincorporadas glebas originárias do complexo cafeeiro da Fazenda São Clemente. Cumpre destacar que essa propriedade não tem a dimensão originária de 700 alqueires, como no século 19. Outros bisnetos do Coronel Monnerat mantêm propriedades desmembradas da Fazenda São Clemente. Marcello Monnerat restaurou a casa palacete da Fazenda São Clemente, em estilo eclético com elementos neoclássicos, assim como a Capela São Clemente, a casa para laticínios, o pombal, o laboratório, a cocheira e o prédio da administração e de serviços. Segundo ele, todo o processo de restauração da casa palacete e das demais benfeitorias foi bastante criterioso.

Fazenda São Clemente pintada por Henry Walder,1895. Acervo Marcello Monnerat
Fazenda São Clemente pintada por Henry Walder,1895. (Acervo Marcello Monnerat)

Foi levado em consideração não somente a descrição oral e escrita fornecida pelo seu pai Carlos Lincoln Monnerat, mas também iconografias e notadamente foram observadas as valiosas informações contidas na grande tela a óleo, pintada por Henry Walder, em 1895, ilustrando vários aspectos da sede da Fazenda São Clemente.

O mobiliário com peças de diversos estilos tais como Império, Luís XV, Luís XVI e o barroco mineiro foi igualmente restaurado com técnica e apuro. Tive o privilégio de conhecer a Fazenda São Clemente, localizada em Boa Sorte, 5º distrito do município de Cantagalo.

Sapota-preta ou fruta-pudim-de chocolate. Acervo Marcello Monnerat
Sapota-preta ou fruta-pudim-de chocolate. (Acervo Marcello Monnerat)

Marcello Monnerat se ocupa da restauração do pomar-parque tendo como referência a tela a óleo de Henry Walder. Originalmente foi um imenso jardim eclético, semelhante aos jardins ingleses e que abrigava uma coleção preciosa de orquídeas, uma moda à época entre aristocratas e burgueses ingleses. Tudo indica que foi concebido pelo paisagista Auguste François Marie Glaziou, que servia a Imperador D. Pedro II. Glaziou utilizava em seus projetos paisagísticos várias espécies que se encontram na fazenda São Clemente como a sapota-preta ou fruta-pudim-de chocolate, nativa do México e da América Central; o pêssego-da-Índia de casca aveludada nativa das Filipinas e cultivada na Índia, Malásia e Indonésia; o jambo-de-malaca ou jambo-roxo nativa da Malásia, Tailândia e Singapura; a babosa-branca nativa da Mata Atlântica; a ameixa-de-Madagascar  nativa da África tropical e Madagascar e a árvore-do-viajante originária igualmente de Madagascar. Palmeiras imperiais atravessam o pomar-parque assim como arecas, sagus, mangueiras, dentre outras espécies circundam a propriedade.

Tudo indica que o pomar-parque foi projetado por Auguste Glaziou. Acervo Marcello Monnerat
Tudo indica que o pomar-parque foi projetado por Auguste Glaziou. (Acervo Marcello Monnerat)

A família Monnerat não é o único exemplo de descendentes de colonos suíços que se tornaram proprietários das fazendas dos barões do café falidos no Vale do Paraíba fluminense. No entanto, uma propriedade na mesma família há cem anos é um caso excepcional e que denota respeito e afetividade à história familiar.

Fonte: Marcello Cardoso Monnerat

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