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Legalistas e revolucionários: combatentes fluminenses na Revolução de 1930

A política dos latifundiários, dos potentados, do campanário e dos coronéis bisonhos estava com os seus dias contados. Em 03 de outubro de 1930, civis e militares iniciam uma revolução que teria efeito fulminante, terminando no dia 24 daquele mesmo mês. Tomava posse em novembro o novo chefe do governo provisório, Getúlio Vargas. A Região Serrana tem um protagonismo neste importante acontecimento histórico que provocou uma ruptura política das mais impactantes na história nacional. A partir do golpe da proclamação da República em 1889, a centralização do poder passa do Imperador D. Pedro II para as mãos das oligarquias locais. No entanto, a denominada política dos governadores enfraqueceu o Estado e dominou na República Velha. Entre estas oligarquias predominavam as dos estados de São Paulo e Minas Gerais. O primeiro pelo fator econômico na agro exportação do café e o segundo por tratar-se do mais populoso Estado da federação e que influenciava de sobremaneira nas eleições.

Ponte Preta que liga Minas Gerais ao estado fluminense. Acervo Márcio Gonçalves
Ponte Preta que liga Minas Gerais ao estado fluminense. Acervo Márcio Gonçalves

A revolução de 30 tem como antecedente histórico a insatisfação de militares de baixa patente, como os tenentes, com as oligarquias rurais. Mas quem forneceu a pólvora para a insurreição foi o então presidente do país Washington Luis. Nas eleições presidenciais, Washington Luis ao invés de indicar um político alinhado com Minas Gerais para sucedê-lo, como vinham fazendo São Paulo e o Estado mineiro se revezando no governo presidencial na denominada política do café com leite, indicou o paulista Júlio Prestes. Getúlio Vargas apoiado por setores descontentes do exército e pelas oligarquias dissidentes é indicado como candidato à presidência pelo partido da Aliança Liberal. Porém Júlio Prestes foi eleito presidente da república em um quadro de fraude eleitoral, bem característico da República Velha. Como a eleição foi em março e a posse seria em novembro, muita água rolaria neste cenário de tensão política. O assassinato de João Pessoa na Paraíba, vice na chapa de Getúlio Vargas, acarretou operações militares de movimento insurrecional que tiveram início em Porto Alegre no dia 3 de outubro, seguindo-se levantes na Paraíba e em Minas Gerais. Mas quem foram os principais atores na revolução de 1930 na região serrana fluminense?

Do lado esquerdo, Galdino do Valle Filho. Do lado direito da imagem, José Galiano das Neves. (Acervo Walther das Neves)
Do lado esquerdo, Galdino do Valle Filho. Do lado direito da imagem, José Galiano das Neves. (Acervo Walther das Neves)

Emergiram grandes liderança na região serrana como Galdino do Valle Filho em Nova Friburgo, Luiz e Péricles Corrêa da Rocha em Bom Jardim e Leopoldo Fernandes Barroso em Duas Barras, para ficar em apenas alguns exemplos. Vamos denominar a partir de agora de legalistas os que apoiavam Washington Luis e de revolucionários os que se opunham à ele. Em Nova Friburgo Galdino do Vale Filho, ex deputado federal era legalista e tinha como forte opositor José Galiano das Neves, originário de uma das famílias mais tradicionais de Nova Friburgo, tendo o seu avô e pai participado da política do município desde o século 19. Oriundos de São João Del Rei no qual descende o ex presidente Tancredo Neves, o fato de possuírem uma ligação política com Minas Gerais colocava-os como aliados naturais desse Estado e consequentemente contra a posse do paulista Júlio Prestes como presidente.

Brasiliano Americano Freire coordenou as tropas fluminenses. Acervo BN.
Brasiliano Americano Freire coordenou as tropas fluminenses. Acervo BN.

Contribuiu para que os revolucionários da região serrana fluminense lograssem êxito nas batalhas o fato do tenente Brasiliano Americano Freire estar residindo em Nova Friburgo. Foi Americano Freire quem cuidou da logística militar e do comando dos revolucionários fluminenses. Afastado de suas funções no exército por ter tomado parte no Levante Militar de 1922 no Rio de Janeiro, se encontrava escondido em Nova Friburgo adotando identidade falsa e dando aula no colégio Modelo de propriedade de Carlos Cortes. Originário de Cordeiro, Carlos Cortes transferiu em 1926 o colégio Modelo para Nova Friburgo. Apoiava os revolucionários e tudo indica que teria trazido o Tiro de Guerra 24 para Nova Friburgo, instalado em 1927, presidindo-o durante vários anos. De acordo com a memória familiar teria se apropriado das armas do Tiro de Guerra de Nova Friburgo durante a revolução de 30.

Tropas revolucionárias fluminenses. Acervo Walther Neves
Tropas revolucionárias fluminenses. Acervo Walther Neves

Além de José Galiano das Neves e Carlos Cortes foram lideranças entre os friburguenses revolucionários Luiz Braga Mury, o advogado Comte Bittencourt e os irmãos Sylvio, Carlos e Alberto Braune Filho. A linha férrea passando por Sumidouro e seguindo até Minas Gerais facilitou o envio de tropas tanto legalistas como revolucionárias para combaterem na divisa deste estado. O tenente Americano Freire marchou para Porto Novo onde reuniria um contingente de voluntários fluminenses às forças mineiras. De Minas Gerais pretendiam subjugar o território fluminense invadindo-o pelo vale do Paraíba. Galiano das Neves partiu com uma tropa da fazenda São Bento em Sumidouro, cujo território já fez parte de Nova Friburgo, rumo a Porto Novo para engrossar a coluna de Americano Freire, que já ocupava aquela cidade mineira. Segundo os jornais contava com 600 homens fornecidos pelo coronel Christiano Ribeiro.

Coluna Galdino Filho na estação ferroviária de Friburgo. Acervo pessoal
Coluna Galdino Filho na estação ferroviária de Friburgo. Acervo pessoal

A coluna revolucionária comandada pelo tenente-coronel Asdrúbal Gweyer de Azevedo dominou Miracema e investiu contra Pádua e Itaocara onde se travou renhidos combates com as forças legais. Vitoriosos se dirigiram para a região serrana. Temendo que os mineiros prosseguissem em direção ao centro do Estado, o governo federal montou em Cantagalo um quartel regional para impedir o seu avanço enviando um significativo contingente de militares. Cantagalo apoiava majoritariamente as forças legalistas. O 2° Batalhão de Caçadores ficou alojado no palacete do Gavião. A Companhia de Artilharia Pesada e o Pelotão de Cavalaria chegaram de trem em Cantagalo nos dias 16 e 17 de outubro. Em Nova Friburgo já se encontrava a polícia militar com canhões e um efetivo de mais de mil homens que pretendiam atacar Porto Novo no dia 26 de outubro.

Estação tomada pela coluna Mury em Minas Gerais. Acervo Amarildo Mayrink
Estação tomada pela coluna Mury em Minas Gerais. Acervo Amarildo Mayrink

Guarnecendo o território fluminense estava a coluna Galdino Filho que contava com aproximadamente 800 praças da polícia do Estado do Rio e com o 2° Batalhão de Caçadores. Abrindo um parêntese as fontes indicam que participaram nesta revolução não apenas os tenentes do exército mas igualmente a polícia militar, citadas pela imprensa na região serrana fluminense. As forças legalistas estavam melhor municiadas com metralhadoras e inúmeros fuzis mauser. A coluna Galdino Filho partira para enfrentar os revolucionários nas proximidades da cidade de Carmo, na Fazenda Boa Esperança. Galiano das Neves foi incumbido de ocupar em território fluminense a fazenda do Barão do Paraná, assim o fazendo sem que houvesse resistência. Como diversas fazendas são citadas neste embate, tudo leva a crer que eram ocupadas para obterem mantimentos para as tropas. A coluna de Americano Freire cuidava de Porto Novo, Paquequer e Ilha dos Pombos, tendo como missão invadir o território fluminense por Porto Novo, em Além Paraíba. O friburguense Luiz Braga Mury tinha a sua base na estação de trem de Mello Barreto, em Minas Gerais, próximo a coluna de Americano Freire.

Ponte sobre o Rio Paquequer, região de renhida batalha. Acervo Márcio Gonçalves
Ponte sobre o Rio Paquequer, região de renhida batalha. Acervo Márcio Gonçalves

Há o registro de um combate no dia 21 de outubro, perto do Paquequer, no território fluminense. Os jornais descrevem acirrada batalha entre a coluna Galdino Filho que “tirotearam” contra as tropas revolucionárias durante mais de 30 horas. Mury percebendo que uma força legalista procurava ocupar um lugar estratégico de Porto Novo atravessou o rio com a sua coluna e desalojou o adversário após um “áspero combate”. A coluna Galdino Filho se retirou deixando oito mortos. Foram feitos 13 prisioneiros além da apreensão de vários fuzis, metralhadoras e muita munição. Foi tomada pelos revolucionários a fazenda de Otacílio Lemgruber. As cidades de Porto Novo, Mar de Espanha, Angustura, Volta Grande e Aventureiro foram ocupadas pelas tropas fluminenses.

No primeiro plano canhão fabricado pelo cantagalense Aristeu Curty Cortat. Acervo internet
No primeiro plano canhão fabricado pelo cantagalense Aristeu Curty Cortat. Acervo internet

Foi um revolucionário de Cantagalo, que como disse antes era um município de maioria legalista, quem curiosamente fabricou um canhão artesanalmente e que fez a diferença em um combate. O dentista Aristeu Curty Cortat, cantagalense, servia nas forças revolucionárias como voluntário fazendo parte da coluna Mury. No calor da batalha fabricou um canhão com a ajuda do pessoal da oficina da Estrada de Ferro Leopoldina. O canhão destruiu parte da estação de Paquequer, em Sumidouro, onde se encontrava a coluna Galdino Filho. Tal foi a eficiência do canhão que Curty Cortat foi promovido a segundo tenente e ganhou destaque na imprensa o seu ato de bravura.

Posse do Gastão Reis como prefeito de Bom Jardim. Acervo internet
Posse do Gastão Reis como prefeito de Bom Jardim. Acervo internet

Diante da notícia de que os revoltosos já haviam atravessado o rio Paraíba, as tropas legalistas deixaram Cantagalo e se dirigiram acuados para Nova Friburgo. Nada mais tinham a fazer pois no dia 24 de outubro o presidente Washington Luis havia sido deposto e substituído por uma Junta Militar. Para administrar Cantagalo Luiz Braga Mury, comandante das forças revolucionárias na região, designou uma comissão composta por Acácio Ferreira Dias, proprietário da Tribuna de Cantagalo, e mais duas pessoas, para assumir o comando do município. Em novembro Acácio Dias ocupa em caráter efetivo o cargo de prefeito. Em Bom Jardim Péricles Corrêa da Rocha, prefeito em dois mandatos e ex deputado estadual e federal foi deposto e Gastão Reis assume como prefeito interventor. Quem ganhou foi o município de Itaocara já que Péricles Corrêa da Rocha deixa Bom Jardim, abandona a política e passa a administrar o Engenho Central Laranjeiras de propriedade de sua família, localizado naquele município. Na sua gestão no período de 1930 a 1956 coloca o Engenho Central Laranjeiras como um dos mais importantes do país.

A linha férrea foi fundamental para o deslocamento das tropas. Acervo Fundação D. João VI
A linha férrea foi fundamental para o deslocamento das tropas. Acervo Fundação D. João VI

Quando as tropas revolucionárias friburguenses chegaram de trem a Nova Friburgo, grande parte da população foi recebê-los. Relembra esse dia a memorialista Yolanda Cavalieri d´Oro. “Quando a revolução triunfou fomos ver a chegada dos vencedores trazidos no trem. Estava todo mundo na rua se acotovelando para ver melhor.(…) Lá pelas tantas o povo resolveu destruir a estátua do líder político de Nova Friburgo, o Sr. Galdino do Valle. Ele que fora sempre venerado por todos era agora na fúria da paixão política vítima do vandalismo desenfreado, comum nessas ocasiões. Quando a estátua rolou do pedestal apareceu meu tio Dante mancando e carregando uma bandeira vermelha, símbolo do galdinismo, que colocou triunfalmente no monumento decepado. Palmas delirantes da multidão…”

Nova Friburgo “oprimida, abafada longos anos sob o peso de chumbo do cativeiro das oligarquias, parece ter aberto pela primeira vez os seus possantes pulmões de cidade da Saúde, sorvendo em largos haustos o ar puro de seu clima retemperador”, assim escreveu o articulista Bruno de Martino no editorial “Os revolucionários da cidade dos cravos” na revista O Cruzeiro de 06 de dezembro de 1930. Galdino do Valle Filho foi recolhido inicialmente no Sanatório Naval e depois conduzido para a Casa de Detenção do Rio de Janeiro, partindo para o exílio em Portugal. No tocante aos demais partidários de Washington Luis, a exemplo dos Spinelli, ficaram detidos na cadeia da cidade, onde hoje é o Centro de Arte.

A imprensa comemora a revolução.  Acervo BN
A imprensa comemora a revolução.  Acervo BN

Para muitos historiadores a revolução de 1930 não foi propriamente uma revolução e sim um golpe, já que não contou com o apoio das classes populares. Este artigo não esgota o tema e tem tão somente o objetivo de chamar a atenção do protagonismo de combatentes da região serrana fluminense neste importante acontecimento que criou uma ruptura na história política do Brasil.


FONTES: O Jornal, de 15 e 26 de novembro e 03 de dezembro de 1930; O Cruzeiro, 06 de dezembro de 1930; “Cantagalo, do surto da pecuária à industrialização do calcário”, de Clélio Erthal; “Minha vida Mágica”, de Yolanda Cavalieri d´Oro; entrevista com Renato Cortes.

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