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Indústrias de Cantagalo: vida e morte

Há muito estudo a forma de organização e funcionamento das sociedades cooperativas, reguladas pela Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, que define a Política Nacional de Cooperativismo e institui o regime jurídico das cooperativas. Estabelece que a cooperativa é uma “associação de pessoas com interesses comuns, economicamente organizada de forma democrática”. Interesses comuns: cooperativa de professores, cooperativa de crédito, cooperativa de médicos (Unimed), com o respeito aos “direitos e deveres de cada um de seus cooperados, aos quais presta serviços, sem fins lucrativos”. Nela, o voto é unitário, não importa a quantidade de cotas de cada cooperado. O voto de um cooperado com dez cotas é igual ao de outro com uma cota.

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Em Cantagalo, no século passado, prosperaram as cooperativas de laticínios em Boa Sorte, Euclidelândia e Cantagalo. A de Boa Sorte tinha uma produção excelente, mas hoje vende o leite para a cooperativa de Itaocara; a de Euclidelândia nunca esteve à frente das demais, também desapareceu; a de Cantagalo fez história com a manteiga “Os Sertões”, o requeijão e os queijos deliciosos. Cometeu erros grosseiros de gestão, ao longo de sua existência. Humildes cooperados, sem experiência em planejamento estratégico e administração de cooperativa, eram alçados a cargos relevantes de diretoria. Creio que jamais teve uma gestão profissional. Todavia, pelo que sei, esta, quando adotada, foi um desastre. Escolheram os profissionais errados, que a levaram ao endividamento e à falência. Jane de Almeida Velozo e Jose Carlos Nacif Alves, citados erroneamente como sócios, na postagem inicial deste artigo, eram, na verdade, funcionários da Cooperativa, sem qualquer ligação com o fechamento da empresa.

Sede da extinta Cooperativa Regional de Cantagalo, no bairro do Triângulo, na cidade de Cantagalo (Acervo do Instituto Mão de Luva).
Sede da extinta Cooperativa Regional de Cantagalo, no bairro do Triângulo, na cidade de Cantagalo (Acervo do Instituto Mão de Luva)

Eis o rico portfólio da extinta Cooperativa Regional de Cantagalo: a fabricação de laticínios, compreendendo a produção de uma gama de derivados do leite, que eram destinados à distribuição e a revendedores comerciais. Incluem-se: leites (em pó, condensado, concentrado, aromatizado, dietético, açucarado, maltado, modificado), iogurtes, cremes de leite (em pó, blocos, grânulos, esterilizado, fresco, pasteurizado), manteigas, coalhadas, queijos (mussarela – ou muçarela, muzzarella-, minas, montanhês, parmesão, petit-suisse, prato, ricota, provolone, gorgonzola, brie, camembert, estepe, gouda, edan, roquefort), requeijões, doces, farinhas lácteas, bebidas (lácteas, achocolatadas), natas, xaropes de lactose, sobremesas lácteas, entre outros. Sintam o que Cantagalo perdeu.

Enquanto isso, a Cooperativa de Macuco prosperou e consolidou-se. Produz os melhores queijos, manteiga e outros produtos. Como cooperativa de sucesso, outro exemplo é a Unimed, uma cooperativa de médicos, disseminada pelo nosso país.

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O Brasil tem múltiplos exemplos de cooperativas agropecuárias de êxito e perenidade, como, por exemplo, a Copersucar, a maior cooperativa brasileira. No Estado de Santa Catarina, temos vários exemplos de cooperativas que atuam, com qualidade, há décadas. Creio que as cooperativas de laticínios de Cantagalo jamais tiveram um plano de negócios. Eram administradas, geralmente, por um dos cooperados que, com a maior boa vontade, trabalhavam na cooperativa, mas dividia o seu tempo com os seus próprios negócios. Essa estratégia jamais será vitoriosa.

No início do século 20, em Cantagalo havia uma fábrica de chapéus de palha, a única da região, da família Zanon. O “Álbum do Município de Cantagalo”, editado em 1922, sob a direção de Júlio Pompeu, registra que a fábrica “proporciona trabalho a um número avultado de pessoas, quer no próprio estabelecimento, quer suas residências”, com “machinismos modernos, produtos bem manufaturados, operários hábeis, preços inferiores aos dos grandes centros, apesar dos produtos de fabrico fino”. Era dirigida por Romeu Zanon. Hoje, funciona sob a gestão de seu filho, Bruno Zanon, em um cômodo de sua casa, na vila Santa Rita da Floresta, mas não fabrica mais chapéus, por falta de matéria prima de qualidade. Ocupa-se do fabrico de peneiras e similares, com o mesmo sucesso, mas em escala bem menor.

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Bruno Zanon herdou a tradição dos chapéus de palha e confecciona em Santa Rita da Floresta, principalmente, para escolas de samba no Carnaval. (Acervo pessoal)

A Empresa de Força Ibero-Americana, criada por Castro, Martinez & Pires, com sede e foro em Cantagalo, tinha sua usina na Chave do Vaz, em Boa Sorte. Passou, em 1920, à direção de Antonio Castro. Além do município de Cantagalo, em 1920, havia estações em Cordeiro, Itaocara, Cambuci e São Fidélis; subestações em Santa Rita do Rio Negro, Boa Sorte, Laranjais, Batatais, Portela, Três irmãos, Vila Nova, Cambuci, Pureza. O seu escritório na cidade de Cantagalo ocupou a rua Getúlio Vargas. O pioneirismo dessa empresa proporcionou o desenvolvimento socioeconômico de Cantagalo e seus vizinhos, ora discriminados. Por falta de atendimento à inovação, em particular na área das tecnologias de informação e comunicação (TDICs), acabou por ser absorvida pela holding Centrais Elétricas Fluminenses S.A. (CELF), em 1963.

À esquerda, a usina da Ibero-Americana, em 1920. À direita, a casa-sede da empresa, na rua Getúlio Vargas, no centro de Cantagalo, recentemente colocada à venda, em leilão, pela Enel.
À esquerda, a usina da Ibero-Americana, em 1920. À direita, a casa-sede da empresa, na rua Getúlio Vargas, no centro de Cantagalo, recentemente colocada à venda, em leilão, pela Enel.

As massas alimentícias Santa Therezinha, uma iniciativa do empreendedor Gumercindo Jevoux, funcionou, por vários anos, na rua João Nicolau Guzzo, no centro de Cantagalo. Posteriormente passou para a propriedade de Ediu Pinto, com o nome de Nadia. Por falta de inovação nas tecnologias próprias de fábricas de massas alimentícias, ela foi perdendo a clientela para empresas mais modernas. Após vender a fábrica, Jevoux fundou, com outros empreendedores cantagalenses, a Cantagalo Fiação e Tecelagem S.A. Idealizou e construiu o prédio da fábrica próxima ao Hospital de Cantagalo. Antes de começar a funcionar a fábrica, Gumercindo Jevoux veio a falecer. Ante essa trágica realidade, empreendedores, tendo à frente o médico Marco Aurélio e Jorge Abraão Sabb, idealizaram uma fábrica de papéis, a CIPAC.

A casa-sede da Fábrica de Massas Alimentícias Santa Therezinha. Após a aquisição por Ediu Pinto, passou a denominar-se Nadia, situada na rua João Nicolau Guzzo, no centro de Cantagalo. Hoje é sede da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e de uma loja comercial.
A casa-sede da Fábrica de Massas Alimentícias Santa Therezinha. Após a aquisição por Ediu Pinto, passou a denominar-se Nadia, situada na rua João Nicolau Guzzo, no centro de Cantagalo. Hoje é sede da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e de uma loja comercial.

A CIPAC – Industria de Papeis Cantagalo Ltda. iniciou suas atividades em 2 de agosto de 1966. Fechou suas portas em 30 de novembro de 2018. Em seus 52 anos de funcionamento, a CIPAC passou por três administrações. O dr. Marco Aurélio, médico em Cantagalo, com o apoio de Jorge A. Sabb, assumiu a propriedade do prédio e iniciou a compra das máquinas e equipamentos necessários ao empreendimento. A partir de 1966 passou a fabricar papel grosso, papel Cantagalo, mais fino, manilha, para lojas de roupas, em bobinas de 60, 40 e 25 centímetros. Esse tipo de papéis foi substituído por sacolas, além de papel para a padaria. Com o tempo, veio o papel higiênico, em substituição aos demais, com a aquisição de novas máquinas.

Entrada da Cipac, situada próximo ao Hospital de Cantagalo, completamente abandonada e sendo sucateada sem qualquer segurança no local. (Acervo do Instituto Mão de Luva)
Panorâmica da Cipac. Em primeiro plano, os galpões com o maquinário sucateado, servia de depósito e abrigava o tratamento de água e a caldeira. Ao fundo, o Hospital de Cantagalo. A foto mostra uma fábrica desativada e completamente abandonada.  (Acervo do Instituto Mão de Luva)

O médico Marco Aurélio Vahia de Abreu adquiriu as Listas Telefônicas, no Rio de Janeiro. A CIPAC passou a ser gerenciada por seus filhos: Marco Aurélio, Eduardo Augusto, Paulo César e Luiz Cláudio Pontes Vahia de Abreu. Anos depois, assumiu a propriedade da fábrica os irmãos Padilha, de Santo Antônio de Pádua. Eles a modernizaram e incrementaram, com sucesso, a venda da produção de papel higiênico. Pouco antes de seu fechamento a CIPAC foi vendida a um grupo paulista. A partir daí, a fábrica começou a cair, até fechar suas portas em 2018. Desde o início até o final de existência, a CIPAC, o cantagalense Tonino Coimbra, atuou como uma espécie de gerente-geral. Hoje está aposentado e é a memória viva da empresa. Ele foi a ligação entre essas gestões, durante 48 anos, contribuindo de modo significativo para o êxito do empreendimento. Deixou a fábrica pouco antes de sua falência. O prédio foi dado ao Bradesco, em pagamento de dívida contraída pela empresa.

Essa é a história superresumida de algumas indústrias cantagalenses, de vida mais ou menos longa, que deram ao município emprego e renda, no passado. Hoje, Cantagalo vive, praticamente, em decorrência da indústria cimenteira – Votorantim, Cimento Nacional ou CCA e CSN-Cimentos Brasil-S.A.-, com sedes localizadas fora do município. Há emprego e renda, incluindo a tributária, mas empregos de empresas ligadas a esse empreendimento é bastante reduzido, concentrando-se no transporte rodoviário de cimento ensacado ou para ser ensacado em outros locais de preferência de cada empresa. Essas empresas estão sediadas no distrito de Euclidelândia, carecendo de estrada asfaltada, ligando a rodovia RJ-116 à vila.

Da esquerda à direita: as fábricas da Votorantim, CCA e CSN, localizadas em fazendas do distrito de Euclidelândia. (Acervo das empresas)
Da esquerda à direita: as fábricas da Votorantim, CCA e CSN, localizadas em fazendas do distrito de Euclidelândia. (Acervo das empresas)

Essa é a história das indústrias genuinamente de Cantagalo, do auge ao desaparecimento. Na área industrial, o município de Cantagalo é, hoje, totalmente carente, exceto em relação às cimenteiras, de propriedade de grandes grupos econômicos.

Celso Frauches – Serra News

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