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O estudo que revelou grutas e animais pré-históricos em Cantagalo

Os dicionários classificam caverna, gruta ou furna como toda cavidade natural rochosa com dimensões que permitam acesso a seres humanos. Podem ser horizontais ou verticais, em forma de galerias e salões, em terrenos formados por rochas sedimentares, ígneas ou metamórficas. A espeleologia é a ciência que estuda cavidades naturais subterrâneas, como as cavernas. Caverna do latim cavus, buraco; gruna ou gruta do latim vulgar grupta, corruptela de crypta. Caverna, gruta, furna ou gruna existe em Cantagalo, na região serrana fluminense, e em Itaocara e Cambuci, identificadas e catalogadas pelo Ibama/Nova Friburgo. Em Cantagalo pelos pesquisadores do Centro de Estudos e Pesquisas Euclides da Cunha (Cepec).

O Cepec, criado, em 1959, pelo jornalista Sebastião Antonio Bastos de Carvalho junto com outros cantagalenses, como o pesquisador Bento Luiz de Moraes Lisboa, teve destacada atuação na identificação das grutas de Cantagalo. Encontraram um veio de rochas calcárias, com formações cársticas e significativos espeleotemas ou formações rochosas existentes no interior das cavernas ou grutas, como resultado da sedimentação e cristalização de minerais dissolvidos na água. Espeleotemas do grego spíleo/caverna e thema/acumulação. O grupo liderado por Sebastião Carvalho, com a efetiva participação de sua esposa Rosa Maria de Werneck Rossi de Carvalho, destacou-se na região por sua tenacidade nas pesquisas das grutas Pedra Santa e Novo Tempo.

Em artigo publicado no Anuário Geográfico do Estado do Rio de Janeiro – IBGE, em 1961, Sebastião Carvalho diz que ao ler antigo relatório do engenheiro Justin Norbert, especialista em ferrovias, sobre as terras de Cantagalo, encontrou uma descrição da gruta Pedra Santa, localizada no distrito de Euclidelândia, em Cantagalo. O grupo do Cepec redescobriou a gruta Pedra Santa, situada na Fazenda da Saudade, no 3º distrito de Cantagalo, Santa Rita do Rio Negro, mais tarde Euclidelândia, em homenagem ao escritor cantagalense, Euclides da Cunha. Essa fazenda é de propriedade do Grupo LafargeHolcim, uma indústria cimenteira presente em mais de oitenta países. Desconhecemos como está a Pedra Santa hoje.

Sebastião Carvalho e sua esposa Rosa Maria de Werneck Rossi de Carvalho, desvendando a gruta Novo Tempo, em Boa Sorte. (Foto: Arquivo)
Sebastião Carvalho e sua esposa Rosa Maria de Werneck Rossi de Carvalho, desvendando a gruta Novo Tempo, em Boa Sorte. (Foto: Arquivo)

Segundo Sebastião Carvalho, a gruta Pedra Santa, localizada no seio de uma verdejante colina, às margens da estrada Euclidelândia-Macuco, é “uma das maravilhas da natureza”. Tem vinte salões, túneis e passagens, medindo no total 143m. Seus salões, “ornados de caprichosas estalactites, estalagmites, colunas e ‘cortinas’, são um espetáculo que o visitante contempla extasiado”. Foram explorados mais de vinte passagens, túneis e salões. Bento Lisboa, um dos membros do Cepec, elaborou um mapa da gruta. A coluna maior do salão 1 tem 2,70m de circunferência e, ao centro, outras duas menores. No salão 2 há, além das colunas menores, uma coluna bem maior, uma interessante plataforma, cortinas, cristais.

Sebastião Carvalho relata que colheram fotografias do interior de outra gruta da região – Vira e Sai – e ele as levou a Paulo Couto, então chefe da Divisão de Paleontologia do Museu Nacional, juntamente com um fóssil, fragmento de vértebra de animal não identificado. Sebastião informa que o cientista ficou surpreso, uma vez que desconhecia a existência de grutas dessa espécie no território fluminense. O funcionário guardou os objetos nos arquivos do Museu e prometeu providenciar uma expedição oficial a Cantagalo para melhor estudar as grutas e suas riquezas naturais. Essa visita nunca aconteceu. Compreende-se a Paleontologia como a ciência que estuda os seres vivos que viveram num passado remoto da Terra.

A gruta Novo Tempo, muito maior do que a Pedra Santa, foi descoberta, em 5 de setembro de 1991, por Sebastião Carvalho, junto com sua esposa, Rosa Maria. Ele fotografou e mapeou a gruta que está localizada no distrito de Boa Sorte, na fazenda então pertencente a Mário da Serra. O presidente do Cepec catalogou os espeleotemas, batizados por ele, assim como fez em relação à denominação da gruta, até então desconhecida. A partir daí, o grupo do Cepec se dedicou ao estudo da caverna e à luta para torná-la conhecida e reconhecida, logrando incluí-la como atração turística oficial do município de Cantagalo. Sobre a gruta Novo Tempo Sebastião Carvalho tem uma história folclórica.

Carvalho conta que ao chegar ao distrito de Boa Sorte e conversar com algumas pessoas sobre possíveis grutas naquela região, verificou que elas as temiam, contando estórias de pessoas que, tendo se aventurado a penetrá-la, sumiram. Ele tentou obter a ajuda de um guia, mas encontrou resistências, medo. Acabou por encontrar um que se propôs a ir até a entrada da gruta, mas nela não entraria por temer o “demônio que a habitava”. A população evitava a gruta, que até então não tinha nome. Sebastião, sentindo a necessidade de nomeá-la, chegou ao Gruta do Novo Tempo, pois ele acreditava que, com os trabalhos que estava realizando, abriria espaço para o um novo tempo no turismo em Cantagalo. Mas isso não ocorreu.

Afirmava Sebastião que, em pesquisa superficial, havia identificado algumas cavernas, a seguir relacionadas: Caverna Pedra Santa, em Euclidelândia, de propriedade da fábrica de cimento LafargeHolcin. Esta caverna foi interditada e a fábrica multada pelo Ibama por permitir a destruição de espeleotemas; Caverna Novo Tempo, em Boa Sorte, em uma fazenda de propriedade de Mário da Serra; Caverna Pirazo (Gruta do Sumidouro), em Cambuci/RJ, pertencente a um produtor rural; e Caverna do Boi Morto, em Itaocara/RJ, de propriedade de um produtor rural daquele município, não identificado. As cavernas Pirazo e Boi morto não chegaram a ser exploradas por Sebastião.

A pesquisa revela também indícios de que uma preguiça gigante pré-histórica, que viveu na América do Sul até cerca de 10 mil anos atrás, tenha habitado na região da Gruta da Pedra Santa, em Euclidelândia.
A pesquisa revela também indícios de que uma preguiça gigante pré-histórica, que viveu na América do Sul até cerca de 10 mil anos atrás, tenha habitado na região da Gruta da Pedra Santa, em Euclidelândia.

As cavernas Novo Tempo, Pirazo e Boi Morto foram interditadas. As prefeituras locais foram instadas ao apoio necessário ao proprietário, no sentido de que fosse respeitado o embargo, como forma de tentar preservar o pouco que ainda restava de espeleotemas. Com essas interdições era esperado que o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (Cecav) pudesse promover, junto com a comunidade espeleológica envolvida, a avaliação das potencialidades dessas cavernas, em conformidade com o que foi realizado na Pedra Santa e Novo Tempo pelo referido Cecav, embora superficialmente. Contava, ainda, com a presença do Ibama/Nova Friburgo, a Sociedade Brasileira de Espeleologia e o Departamento de Recursos Minerais.

Infelizmente, com a mudança do casal Sebastião/Rosa Maria para Nova Friburgo, praticamente foram paralisadas as explorações das grutas de Cantagalo e região, sobre as quais não tivemos mais nenhuma informação. O Instituto Mão de Luva, uma associação sem fins lucrativos, por mim criada no início de 2021, em Cantagalo, tem, entre os projetos planejados, a volta às pesquisas nessa área. O Projeto Grutas de Cantagalo (ML-114) pretende desenvolver estudos e pesquisas sobre as grutas de Cantagalo, a partir dos trabalhos desenvolvidos pelo pesquisador Sebastião Carvalho e sua esposa Rosa Maria de Carvalho e demais pesquisadores. Esse projeto está em fase de levantamento dos recursos necessários.

Quem sabe, a partir destas “mal traçadas linhas” que o portal Serra News me confiou, possamos descobrir um intrépido desbravador dos Sertões de Macacu, antigo nome de Cantagalo, que conosco leve adiante tal projeto, um ponto certamente positivo para a vocação turística de nosso município.

Até a próxima coluna! 😀

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