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As enchentes do Rio Bengalas no cotidiano de Nova Friburgo

O município de Nova Friburgo é banhado pelas bacias dos rios Grande, Bengalas, São José, Capitão e Macaé. Praticamente todos os seus distritos têm uma nascente ou são cortados por rios, ribeirões e riachos. O Bengalas é o mais conhecido entre a população friburguense por percorrer a parte urbana da cidade. Este rio é formado em frente à igreja Luterana, na avenida principal da cidade, pela confluência dos rios Santo Antônio, que nasce no Debossan, e Cônego, resultado da junção dos córregos Caledônia, Bambuaçú e Cascatinha. Durante o seu percurso recebe a contribuição das águas que vêm das partes altas da cidade e dos córregos do Relógio, Inhames e D’Antas até desaguar no Rio Grande, na altura do distrito de Banquete, em Bom Jardim.

O Rio Bengalas é formado pelos rios Santo Antônio e Cônego. Acervo pessoal
O Rio Bengalas é formado pelos rios Santo Antônio e Cônego. Acervo pessoal

As enchentes dos rios sempre fizeram parte do cotidiano dos habitantes de Nova Friburgo. O município foi desmembrado de Cantagalo em 03 de janeiro de 1820, para abrigar uma colônia de suíços. A vila na freguesia de São João Batista foi instalada muito próxima ao rio Bengalas e segundo a tradição oral tem este nome porque um afluente fazia uma curva à direita entrando pela atual praça Getúlio Vargas. Cumpre assinalar que no passado, como ainda hoje, o principal rio para a economia de Nova Friburgo não era o Bengalas e sim o Grande, em cujo vale, o vale do Rio Grande, lavradores faziam roças cultivando milho, feijão, mandioca, inhame, abóbora, batata e criavam porcos.

As enchentes são um déjà vu na história de Friburgo. Acervo Fundação D.João VI.
As enchentes são um déjà vu na história de Friburgo. Acervo Fundação D.João VI.

No século 19, sob inúmeras pontes, pontilhões e estivas passavam rios caudalosos e na estação das chuvas eram frequentemente destruídas pela força das águas impedindo o trânsito e prejudicando o comércio. Quando destruídas impossibilitava a circulação das tropas e a economia do município dependia desta dinâmica. Em tempo de inundação, as estradas se tornavam intransitáveis com registros de pontes que desabavam com a perda de animais e mercadorias. Nas várzeas as mulas ficavam atoladas na lama e algumas pereciam ali mesmo. Na vila, quando o rio transbordava, provocava também muitos danos materiais ao patrimônio público e privado. As pontes de madeira quando não eram arrastadas pela força das águas ficavam bem danificadas. Árvores plantadas nas calçadas eram arrancadas, as cercas das casas derrubadas resultando na destruição de hortas e jardins que a seguir eram pisoteados por vacas e porcos que invadiam os quintais.

Ao longo de sua história o Rio Bengalas foi sendo retificado. Acervo pessoal.
Ao longo de sua história o Rio Bengalas foi sendo retificado. Acervo pessoal.

O Bengalas tinha outra configuração no passado. No momento em que era formado pelo encontro dos rios Cônego e Santo Antônio seguia sinuoso em forma de ziguezague. Era muito mais largo e volumoso e curiosamente na altura de Duas Pedras havia um porto, de propriedade de João Dutra, conhecido como Porto do Dutra. As tropas de mulas transportando o café e outras mercadorias de Cantagalo faziam uso deste porto, pagando uma taxa. Vindas do Catete as tropas atravessavam o rio Bengalas em uma balsa para o outro lado. Seguiam viagem em direção a atual rua General Osório, que na ocasião era conhecida como estrada de Cantagalo, se dirigindo rumo a descida da Serra da Boa Vista. Em 1881 o Bengalas foi canalizado na altura da avenida e retificado até o vale do rio Grande, na gestão do prefeito César Guinle (1947 a 1951).

Enchente de 02 de janeiro de 1938. Acervo Fundação D. João VI.
Enchente de 02 de janeiro de 1938. Acervo Fundação D. João VI.

Como os friburguenses lidavam com as enchentes na vila? O Código de Postura 1849 previa que em caso de inundação, a Câmara Municipal poderia solicitar a colaboração da população para debelar tal sinistro. Quando ocorria inundação fazia-se o “sinal de rebate e chamada” e os vizinhos do quarteirão eram obrigados a acudir com todas as “pessoas úteis” de sua família. Estando as ruas às escuras deveriam as casas próximas ao sinistro iluminarem-se com lamparinas para facilitar os socorros. Toda pessoa que tivesse instrumentos úteis tais como bombas d´água, barris, tinas, baldes, barcos, carroças, escadas, machados, serras, calabrês, moirões, cordas, correntes e couros, ou outros objetos de préstimo, era obrigada a colocá-los à disposição das autoridades, com direito a indenização por qualquer dano que neles vier a sofrer. A negação de socorros e serviços de qualquer natureza requeridos pelas autoridades em caso de inundação seria punido com multa ou cadeia, segundo a gravidade das circunstâncias.

O Bengalas homenageado no hino “o Bengalas sereno desliza sob o olhar do Cruzeiro do Sul”. Acervo pessoal
O Bengalas homenageado no hino “o Bengalas sereno desliza sob o olhar do Cruzeiro do Sul”. Acervo pessoal

Como as enchentes provocavam formação de pântanos acreditava-se que doenças como as febres palúdicas e a febre amarela eram provocadas pelos miasmas que se desprendiam destas águas estagnadas. Na ocasião não se sabia que o mosquito era o vetor da doença. As águas estagnadas eram uma preocupação constante dos vereadores que providenciavam aterrar os pântanos, brejos e alagadiços. O cemitério da vila era localizado na Rua do Areal, atual Sete de Setembro, onde hoje é o prédio da maçonaria. Quando havia inundação do Bengalas as águas entravam no cemitério e sua força provocava danos às sepulturas. Quando as águas baixavam, alguns corpos ficavam insepultos gerando constrangimento à população. E o pior, poderia provocar doenças. Por isto foi transferido para a parte alta da cidade, onde atualmente se localiza.

A garotada ficava espadanando na água. Acervo pessoal
A garotada ficava espadanando na água. Acervo pessoal

As enchentes continuaram a ocorrer em Nova Friburgo durante todo o século 20. Imagens fotográficas em diferentes anos demonstram que são um déjà vu na história do município. De acordo com uma matéria na Revista Carioca de 1944, na inundação do Bengalas a garotada ficava espadanando na água, aos gritos, como se a vasta superfície da alagação fosse um enorme recreio. Nas ruas galhos se enganchavam nas amuradas, sapos pulavam prá-lá-pra-cá por todos os lados e lenhas dos quintais, pedaços de cerca e galinhas eram levadas pelas águas.

A enchente do rio Bengalas no jornal do Rio de Janeiro. Acervo BN.
A enchente do rio Bengalas no jornal do Rio de Janeiro. Acervo BN.

O Correio da Manhã, de 14 de março de 1944, traz um artigo sobre a visita a Nova Friburgo do diretor do Departamento Nacional de Obras do Saneamento, Hildebrando de Góes, após uma enchente. De acordo com o jornal, “a velha questão das enchentes do Bengala – tão velha como a própria cidade – seria afastada definitivamente de Friburgo pela colaboração bem orientada do governo.” Góes examinou o problema da inundação que causava transtorno às indústrias e à população, colheu informações da boca do povo, prometeu obras no rio e a construção de novas pontes em substituição às antigas. Assegurou resolver de uma vez para sempre uma questão que desde a segunda metade do século 19 vinha “desafiando a argúcia de mais de duas dúzias de administradores, não só municipais e estaduais, como também federais.” Não resolveu nada e até os dias de hoje, quando ocorrem chuvas intermitentes, a população fica atenta ao rio Bengalas para tentar minimizar, em caso de inundação, os prejuízos. Mas apesar de tantos transtornos ao longo de sua história, este rio foi homenageado no hino de Nova Friburgo com a estrofe “o Bengalas sereno desliza sob o olhar do Cruzeiro do Sul”.

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